Um dia como outro qualquer

Certa vez eu disse a Maria que lhe amava.

a reação não foi exatamente o que eu esperava.

Havíamos acabado de transar, e eu estava encostado na janela procurando um pouco de ar, e ela estava estirada preguiçosamente na cama.

- Acho que estou apaixonado por você. – Foi como eu me lembro de ter dito.

- Acha? – Ela perguntou.

- Não.... Tenho certeza.

- Não estava esperando por isso.

- Tudo bem. É só amor.

- Amor ou paixão?

- Se fosse só paixão eu não estaria falando sobre isso.

- E o que você espera que eu faça agora?

- Você não precisa fazer nada.

- Então por que você falou sobre isso?

- Por que eu sou assim. Eu falo sobre o que sinto. Mesmo quando devia ficar calado.

Ela se levantou da cama, foi até o banheiro, ligou o chuveiro.

e tomou um banho calada.

Eu me sentei na cama e esperei que voltasse.

O barulho da água cessou e logo ela retornou ao quarto, com uma toalha enrolada no cabelo e o corpo ainda úmido.

- Eu não precisava desse tipo de complexidade nesse momento.

- Isso não precisa significar nada demais, Maria.

- Mas já significa. Afinal, você disse. E foi sincero. Eu fico lhe devendo o mesmo tipo de sinceridade.

- é?

- Sim.

- Então?

- Eu não te amo. Eu não estou apaixonada por você. Não sei se vou estar um dia. Mas gosto de estar com você. Eu só não me sinto com capacidade de amar quem quer que seja. Pelo menos não romanticamente.

- Por um bom tempo eu me senti assim.

- E o que mudou isso?

- Você. – Respondi subitamente.

Ela congelou e eu pude ver a tensão faiscando em seus olhos.

- Puta que pariu... - ela sussurrou. E então foi até a bolsa que tinha largado em cima de uma cadeira, abriu-a, puxou um cigarro e o acendeu.

Depois de um primeiro e longo trago, Maria continuou.

- Como é que eu vou retribuir algo assim?

- Porra, Maria. Eu já disse que você não precisa se preocupar com nada.

- Agora eu vou ficar pensando no peso de cada ação minha... cada palavra... cada silêncio... se isso tudo pode te magoar.

- Você não é responsável sobre como me sinto.

- Eu sei. Eu só não sei o que fazer com essa situação. Parece pesado demais para mim.

- Imaginei que isso pudesse acontecer. Não é a primeira vez e acho que não vai ser a última.

- Como assim?

- Não é a primeira pessoa que não sabe reagir à forma como eu me sinto sobre elas. Já passei por isso e sei como termina.

- E como termina?

- Com você saindo por aquela porta. – Apontei

- Você já se sentiu assim sobre outras mulheres?

- Sim. Talvez mais do que se espera de um cara da minha idade.

Ela sorriu.

- E no que eu sou diferente das outras?

- Você fuma mais do que todas elas.

- Só isso? – Falou sorrindo, mas parecendo incomodada.

- Não. Não.

- O que mais?

- Você transa como se estivesse fugindo de algo. Toda vez parece que é a última vez da sua vida. Mas não sei se é geral, ou se é algo específico à nossa relação.

- Isso é algo bom?

- É.

- Tem algo mais?

- Gosto da forma que você me olha quando não estamos conversando. As vezes estou distraído com alguma coisa, e pego você olhando para mim. E você sempre sorri, e eu sinto que você realmente gosta de estar comigo... Talvez seja uma questão de ego minha.

Maria começou a rir, mas depois se controlou e falou.

- Eu não faço isso, faço?

- Faz.

- Ah... Eu só gosto da forma que você se move. Dos seus hábitos ruins de homem solteiro. Gosto de ver você andando pelo quarto quando está com insônia. E gosto de saber o que você vai falar, antes mesmo que você fale. Por isso te olho tanto.

Fiquei sem ter o que dizer.

- Eu não vou sair. - Ela falou, e apagou o cigarro na borda de um cinzeiro estrategicamente postado no lugar em que ela gostavs de fumar.

- o que? – Perguntei sem saber do que ela estava falando.

- Não vou sair pela porta.

- Ah. Isso era algo que eu não esperava.

- É bom que eu ainda consigo te surpreender com algo. – Ela disse sorrindo.

- Então acho que vou abrir outro vinho. - Respondi, ainda surpreso.

- Abre um daqueles bem secos, são os que eu mais gosto.

- Eu sei.

- Eu sei que sabe. – Maria respondeu, e ficou de frente ao espelho da sala olhando para o próprio corpo. Soltou a toalha e começou a enxugar os cabelos.

e eu percebi que o céu já não estava azul como estava quando ela chegou,

Entardecia,

como em um dia como outro qualquer.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 26/09/2018
Reeditado em 26/09/2018
Código do texto: T6459700
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