A voz da Mata
Lá pelas bandas do Cutijuba morava dona Domingas com os seus cinco filhos. Agenor, que era o mais jovem gostava muito de aproveitar a mata.
Se esquivava a todo custo de ir à escola. Quando a Dona Domingas procurava ele se embrenhava na mata e se metia a tomar banho nas várias praias do lugar.
Quando ela conseguia que ele seguisse seus irmãos para aula. Normalmente na escola ele não ficava muito tempo. E a diretora junto com a inspetora tinham que está revirando o mato atrás do pequeno. Como a tarefa estava se tornando bastante cansativa, a diretora aconselhou a dona Domingas deixar ele crescer mais pra colocá-lo na escola, pois ele tinha quatro anos e os seus irmãos já passavam dos cinco.
E naquele tempo, ainda era muito cedo pra estudar, mas a mãe, como as vezes, passava o dia na roça, não queria deixar o menino a Deus dará por aí, naqueles campos a mercê das cobras e de outros animais.
No entanto o pequeno era virado, conhecia muito bem os perigos da mata, subia numa árvore feito um macaco, corria feito um pé de vento e nadava num rio feito peixe. Amava caçar passarinhos e nesse robbit passava o dia inteirinho. Sua casa era cheio de gaiolas com vários passarinhos presos. Era Sui, Sabiá, Coleira, Bigode e tantos outros, que quando eles cismavam cantar, logo que o sol saia pela manhã, dona Domingas não aguentava e tinha que sair de casa, por causa da cantoria.
No vilarejo, não havia quem não o conhecesse, pois pra falar de passarinho ele era o tal. Dias indo e vindo, o fim do ano beirando com as chuvas, que começavam a ficar intensas. Agenor saiu, então logo pela manhã, quando a sua mãe foi para a roça e os seus irmãos para a escola e ele ouviu um canto diferente na mata. Pegou algumas pedras, sua baladeira, uma faca, um alçapão, uns pedaços de pão. Saiu dizendo para os seus outros passarinhos engaiolados, que eles teriam outra companhia.
De modo, que no interior da mata, aquele canto diferente o levou, mais e mais para o fundo. Uma chuva desceu e muitos pássaros se acomodaram. Um silêncio mórbido começou a avançar e o menino obcecado em querer pegar aquele pássaro, mesmo sob vento forte e da chuva, como um caçador perito, ele se aplumou e conseguiu balar.
Em queda livre do açaizeiro, o pássaro caiu por entre as folhas de Guarimã. E mais do que depressa o menino foi ao encontro do seu prêmio.
Procurou, procurou, sob a forte chuva e não o encontrou.
Voltou pra casa desolado e encharcado, mesmo mudando de roupa, uma febre o acompanhou até que mamãe Domingas o tomasse nos braços e com remédios caseiros, tentou os primeiros socorros, que de nada adiantou.
Em desespero maternal, Domingas correu para o vilarejo e lá chamou a benzedeira, dona Raimundinha, que com os seus apetrechos, ao chegar a rede do menino, ardendo em febre providenciou de imediato alguns dos seus unguentos. E como não poderia deixar de ser, começou a fazer oração sobre o menino, quando, como se entrasse em transe falando com uma voz diferente da comum se expressou dizendo:
- Mãe, eu quero levar o teu filho.
E Domingas estonteada, mas com a força inerente a todas as mães dialogou:
- Porque queres levar o meu filho.
E a voz de posse do corpo da benzedeira replicou:
- Porque ele, no seio da mata me balou. Me feriu mortalmente.
Sob desespero a mãe perguntou o que poderia fazer pra remediar o erro do filho.
E a voz disse:
- Solte todos os passarinhos e não deixa mais o seu filho brincar com a vida desses pobres animais, pois a natureza deve ser preservada em liberdade.
Mais do que depressa, a mãe abriu a porta de todas as dezessete gaiolas e como a princesa Isabel, deu alforria aqueles animais.
De imediato a Benzedeira voltou ao normal, a chuva cessou e a febre do menino foi-se como por encanto.
A partir daí, Agenor tomou o rumo da escola e nunca mais quis saber da caçar ou prender os passarinhos.