LEITURAS AFRICANAS - PARTE II

"O ASSOBIADOR", novela do angolano 'acariocado' ONDJAKI, 2002 - Toda a aldeia se altera brusca e um tanto fantasticamente após a chegada de um *misterioso forasteiro assobiador, que - elemento catalizador - encanta a todos com os sopros melódicos labiais. Capítulos curtos/curtíssimos. Em todo caso, personagens-habitantes que o recebem, já eram esranhos, como por exemplo um coveiro desempregado, um dono de igreja, uma dona do sal e o homem sempre ocupado com papel higiênico. O autor escreveu mergulhado em canto gregoriano.

"O BEBEDOR DE VINHO DE PALMEIRA", do nigeriano AMOS TUTUOLA - Em que gênero literário enquadrar a obra? Surrealista, diabólico, pesadelo... A revalorização da mitologia africana, após séculos de descaso dos observadores europeus, considera as leis do universo afro-negro e busca este bebedor vinhateiro na Cidade dos Mortos. Riquíssimo contexto cultural. Tutuola, autor de vários textos inspirados em estórias ouvidas na infância, ele menino criado em plena mata da pequena cidade de Okeigbo. Sentido pedagógico da literatura oral iorubana e outras culturas africanas - inúmeras formas: mitos, lendas populares, adivinhações, textos míticos, estórias passadas de geração a geração e de seres sobrenaturais, fonte inesgotável de inspiração para muitos escritores da Áfrca contemporânea. Necessário conhecer, se possível, previamnte as tradições: os iorubás adoram os ibeji (gêmeos) e outras tribos costumam abandoná-los. Interessante também a profunda relação do africano com o meio natural - vegetação, animais e o homem numa ligação íntima, traduzida em provérbios, adivinhações e cânticos de louvação à mãe-natureza; fácil assim entender o papel da "Mãe devotada" que habita o interior de uma árvore.

"OS TRANSPARENTES", de ONDIAKI - Desde a guerra civil que devastou Angola, surgiram novos autores expressivos e livros contundentes, raízes no sofrimento em séculos de sofrimento pelo colonialismo, sem perder a esperança e o bom humor. ----- Após incursões pela literatura infanto-juvenil, surge uma literatura adulta. Retrato realista e com muitas irreverências de Luanda, cidade que fervia com a gente que vendia, que comprava para vender... Texto em estilo leve, diálogos ágeis e personagens caracterizados em prosa poética no cotidiano da quente cidade. Como microcosmo, um prédio no Largo da Malanga quase sempre às escuras, eterno vazamento de água no primeiro andar, improvisado cinema no terraço - GaloCamões (assim mesmo, junto, poderia ser o lendário Galo de Barcelos) -, presença distante e serena de um galo cego de um olho (tem lógica), e do prédio saem personagens e o mirabolante projeto do corrupto governo de buscar petróleo no subsolo da cidade-capital. Nomes-arquétipos de um passado perdido na modernidade destruidora de tradições: (escrita junta) MariaComForça, VendedorDeConchas, CamaradaMudo, Cego, Carteiro, Ministro, Zé-Mesmo e CienteDoGrã, entre outros (lembrando, pelas gingas e detalhes pitorescos, o pessoal da sinuca no escritor brasileiro JOÃO ANTÔNIO, os quais seriam ali também moradores, ou os pinguços de JORGE AMADO, dia inteiro nas biroscas de ilhéus, dizendo coisas espirituosas, e a religiosidade do personagem africano em língua umbundu. Em parte, Luanda lembra o Brasil, em burocracia emperrada e corrupção desenfreada exclusão dos mais pobres, obras que beneficiam grandes empresas, improviso e jogo de cintura, consumismo exagerado de produtos e celulares de última geração: povo que sofre para buscar sua identidade e governo que anuncia, em rede nacional, cancelar o último eclipse (?). Às vezes humor excessivo a caminho de final delirante, pitadas de literaura fantástica, em especial o personagem que sofria de "desorganização de saudades" e foi ficando literalmente transparente após não mais comer. A devastação que a cidade sofre nas entranhas pela máquina "petrolífera" é a mesma que os personagens pobres sofrem todos os dias, tentando levar a vida com um pouco de prazer, disfarçada melancolia.

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*LEIAM o conto "Um moço muito branco", de J. G. Rosa. ----- Em ritmo um tanto estapafúrdio, "Teorema", filme de Pasolini, 1968.

FONTES:

Recortes diversos.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 23/09/2018
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