TRIÂNGULO AINDA EM DISCUSSÃO OPINATIVA
Protagonstas mortos há décadas... Viram-se pela última vez em Paris, em 1963 - longa estória de amor... numa incomum relação triangular: romance ("caso" é "outra"coisa...) entre o escritor norte-americano NELSON ALGREN e a escritora francesa SIMONE DE BEAUVOIR, companheira eterna de JEAN´PAUL SARTRE, inseparáveis apesar de ALGREN. Discussão até hoje entre o intelectualismo parisiense como se estivessem ainda em 1949 quando ele pela primeira vez surgiu em Saint-Germain des Prés para ser apresentado a amigos de SIMONE: SARTRE o recebeu na porta do Café Flore, levando á mesa onde estavam Juliette Greco, Boris Vian, Camus e Raymond Quenau. SARTRE ciumento? Jamais. Na opinião de ALGREN, parecia "um vendedor de sapatos à beira da falência"... ----- No verão de 1994, lançado o livro "Nelson e Simone", do jornalista JEAN PIERRE SACCANI que passou 4 anos sobre as cartas trocadas entre o par amoroso e ouviu depoimentos de amigos - assunto já tratado pela escritora em "Os mandarins", "América no dia a dia" e "A força das coisas". Sim, vasculhar a vida privada destas pessoas interessa a biógrafos e historiadores. ----- O próprio ALGREN ficou irritadíssimo ao ler pela primeira vez as confidências amorosas em "Os mandarins", em que seu nome é trocado por LEWIS BROGAN, e disse que ela violara sua própria intimidade, cada vez mais ríspidas as respostas a jornalistas: "Uma boa romancista deveria ter uma quantidade suficiente de assuntos para tratar sem exumar seu jardim secreto", afimou em 1964; mais tarde, mais grosseiro: "Ela enlameou as nossas relações, agiu como uma solteirona velha". ----- A relação com SIMONE o perseguiu até a véspera de sua morte, em 1981, ao dar uma entrevista ao jornal Inglês "Times", profundamente ferido com a decisão de SIMONE de tornar pública a estória de amor vivida a dois: "Em "Os mandarins", um nome de empréstimo, quase irreconhecível, mas nos outros romances a nossa relação virou ligação literária internacional, citando nossos nomes e extratos de minhas cartas; refleti por alguns dias e autorizei o editor a publicar, a contragosto, as cartas de amor que deveriam se manter privadas. Nos bordéis do mundo inteiro, as mulheres fecham a porta, mas aquela escancarou a porta e convidou o público e a imprensa para entrar no quarto". Também poucos dias antes de morrer, autorizou que o Ohio State University publicasse as 300 cartas recebidas de SIMONE durante 16 anos de correspondência assídua entre ambos. Ato raivoso? Sentou-se traído, impressão de que ela "tomava notas a cada vez que fazia amor". ----- Ela evitou brigar com ALGREN e uma só vez disse a uma amiga que ele tinha sido muito grosseiro nas declarações sobre ela: "Não me importo com suas crises de mau himor". Preferia guardar as boas lembanças e ser incinerada com um anel presenteado por ALGREN. ----- "Nelson e Simone", crônica de um amor impossível - triângulo entre a intelectual francesa comprometida com seu país e decidida a jamais se separar do companheir SARTRE, e o escritor americano apaixonado pelos derrotados e pelo bas-fond (fundo baixo) de Chicago que não poderia escrever longe deste cenário. ----- Encontraram-se pela primeira vez no hall do Hotel Palmer House, ela só podendo ficar 48 horas em Chicago - trocou almoços com embaixadores e conferências nas universidades por uma visita ao submundo da cidade, guiada por ALGREN, amigo de lutadores de boxes derrotados, toxicômanos, jogadores e gigolôs. ----- Apaixonaram-se. Anos depois, SIMONE diria à sua biógrafa americana que foi com ele o primeiro orgasmo de verdade e qum lhe ensinou até onde pode chegar o amor-paixão. ALGREN desprezava intelectuais, mas sucumbiu ao refinamento da francesinha. Na data prevista, ela levou na bagagem o primeiro romance dele, "Somebody in boots" e inaugurou a longa correspondência com elogio por carta. Encontro dois meses depois em Nova York e foram juntos para Chicago, ela subjugada pelos encantos do americano de 1.80, louro, olhos azuis; SARTRE a esperava, voltou à França. As cartas dos dois eram diárias, porém ele reclamava: "Não se pode amar da mesma maneira alguém que é só seu e alguém que não é" - não conseguia compreender a teoria dos amores conjuntivos, desenvolvida por SIMONE e SARTRE, onde a fidelidade é de menor importância. ----- Meses mais tarde, ele foi encontrar SIMONE, calorosamente recebido por SARTRE e toda a família existencialista. Instalou-se no apê de SIMONE que acabara de lançar "O segundo sexo" e se tornar centro de atenções, recebendo muitas cartas de elogios, em outras chamada de lésbica e frígida - fugiram para uma longa viagem pela Itália e África. ----- Reencontro em Chicago, ele não querendo continuar uma relação sem futuro, como apêndice do casal francês, a estória perto do fim. "Não dormimos mais juntos. Tentamos uma ou duas vezes. Isto ajuda a liquidar uma estória onde a sexualidade teve uma grande importância" - palavras de SIMONE. Continuaram as cartas da França e o convidou para nova estada em Paris, mesmo ele novamente casado com a ex-mulher. Foi nos States plena fase de caça aos comunistas e ele (autor de"O homem do braço de ouro", seu maior sucesso e que virou filme de OTTO PREMINGER) só recebeu visto dois anos depois. Chegou às vésperas de uma viagem programada pelo casal; SIMONE deixou as chaves da casa com ALGREN e vieram para o Brasil - última vez que se viram, acerto do casal em público: ela contando sua paixão em seus romances, ele destratando-a em entrevistas.
-------------------------------------------
FONTE:
"Roupas sujas na Rive Gauche - Uma arrebatadora paixão sem final feliz" - Rio, jornal O GLOBO, 21/8/94.
F I M