Elza
Elza se levantou da poça de lágrimas e sangue que se tornara o chão da sala.
Juntou as forças que ainda tinha e correu para a cozinha.
Seu algoz a seguiu de perto, mas se atrapalhou com o sofá. Quando passou a porta, deu de cara com Elza com as costas para a parede, escondendo as mãos atrás de si mesma. Sangue escorria de sua testa e se misturava ao suor em seu rosto, antes de cair no chão.
Ela devia parecer uma fera humilhada e encurralada. Ainda assim ele se aproximou, tomado de fúria.
- Você tava pedindo por isso já há um tempo, sua puta!
Elza tremeu ao ouvir a voz carregada de ódio, mas não tirou os olhos dele.
- Você tinha que ficar de conversinha com as vadias das suas amigas na rua, não é?. Não tem uma que preste. Todas são rodadas por aí pela comunidade. Ai quem vê você com elas vai achar o quê? Que você é tão puta quanto elas. Não tenho vocação pra corno não.
- Eu não fiz nada! – Gritou Elza – Eu não fiz. Eu juro!
- Não importa se você fez ou não fez. O negócio é o que todo mundo deve estar pensando.
Elza cuspiu sangue no chão, e respondeu, tomada de raiva e desprezo.
- QUE TODO MUNDO SE FODA ENTÃO. Inclusive você, seu covarde do caralho. Não sei como eu terminei com um embuste como você! Eu devia mesmo era ter te botado um monte de chifre. Só que eu sou vadia mas não sou mau caráter. Tua sorte é essa!
Inicialmente ele ficou paralisado pelas torrente de palavras que Elza tinha lhe despejado. Mas logo se recuperou e partiu pra cima dela.
Elza só teve tempo pegar a faca que estava no balcão ao seu lado. Não houve muita resistência quando a faca entrou pela barriga, a princípio. Mas então os músculos do abdome dele se contraíram e ela soltou a faca quando o sangue jorrou.
Ele a empurrou, trêmulo, e Elza caiu no chão, com as mãos e braços ensanguentados.
Ela ficou assistindo o homem por quem ela achava que estava apaixonada, se desfazer em sangue...
Nenhuma máscara dura para sempre. Uma hora ou outra a verdadeira índole das pessoas se revela.. Ela já havia tido experiências com a violência dos homens, mas nunca a este ponto. Nunca ao ponto de ter sua vida ameaçada e de ter que tirar uma vida para preservar a sua própria.
Ele enfim caiu no chão e começou a se arrastar. Naquele momento não havia mais nada da fúria e do ódio homicida que ele tinha nos olhos há pouco. Havia desespero e fraqueza.
Talvez pela empatia que ela tinha pela maioria dos seres humanos, Elza quase sentiu pena dele.
Quase.
Elza se recompôs, lavou as mãos na pia foi até a sala para pegar o celular.
Digitou o número de emergências policiais e ligou.
- Boa noite, eu gostaria de informar que esfaqueei o meu namorado. Ele está na cozinha, sangrando. Eu só fiz isso pois ele estava me espancando. – Ela disse, antes mesmo que o atendente dissesse alguma coisa.
- Qual a sua localização? – Ele perguntou, diretamente.
Elza recitou o endereço e desligou o telefone, paralisada ao perceber que se referira a ele como seu namorado... e se sentiu mais enojada do que decepcionada.
O nojo tinha ultrapassado a dor pelos socos que havia tomado e ela quis vomitar aquilo tudo. Mas os gemidos de dor vindos da a cozinha lhe trouxeram de volta o controle de si mesma
Elza sentou-se num banco e ficou observando-o sangrar.
Ela não tinha prazer algum com aquilo. Mas de alguma forma sentia-se vingada, e sentia também algum orgulho por ter conseguido reagir a uma situação que muitas outras mulheres são submetidas diariamente... onde muitas não escapam com vida.
A polícia chegou em menos de meia hora, junto com uma ambulância.
Ao verem seu rosto ensanguentado e os lábios inchados da surra que tomara, os policiais não lhe trataram como criminosa. Simplesmente sentaram-na no sofá enquanto vasculhavam a casa e falavam entre si, coisas que ela não conseguia entender.
Quando os paramédicos finalmente chegaram à cozinha, verificaram que ele ainda estava vivo.
Talvez ele escapasse dessa. Talvez não.
Enfim, ela só queria que aquela noite acabasse.