Sobrevivência

A manhã despontava com um céu límpido e azul. Na floresta fechada caminhava um grupo de homens e mulheres. Seus rostos, de um jambo escuro, traziam uma expressão aflita, temerosa, quase que horrorizada.

O grupo inteiro padecia de cabelos de um preto intenso, com os olhos angustiados. As mulheres carregavam os descendentes no colo. Já os homens, há anos, suportavam o peso da proteção patriarcal nas costas.

Com extrema habilidade e simplicidade, alimentavam-se em qualquer canto da Amazônia. Bebiam água límpida que vertia direto da nascente, viviam em paz com a natureza desde a chegada dos europeus ao país. Mas agora, eles eram os últimos.

Eram os últimos de todo um povo, que sorrateiramente viveu com cuidado, escondendo-se dos verdadeiros selvagens. Mas a ameaça os encontrara.

Da água potável que bebiam o petróleo a poluiu. Das terras que possuíam, as queimadas, as edificações e os brancos tomaram conta. E agora estavam ali, assustados e prontos para lutar, prestes a perderem o seu último resquício verde decorrente de inúmeras gerações.

Então os outros chegaram.

Não fizeram questão de discrição. Madeireiros por sobrevivência, eles adentraram o lugar com suas motosserras enormes, verdadeiras destruidoras de lares e de vidas.

Pronto para derrubar as últimas árvores que restavam naquele lugar, o mais velho dos madeireiros sentiu, com ardor, uma flecha acertar-lhe o ombro. O colega do lado gritou bravamente:

- Nativos!

Saíram de seus esconderijos, com suas tangas únicas e com a tinta fresca nas bochechas para a batalha com os madeireiros. Lutavam não só pela família e por sobrevivência, mas para honrar sua raça e perpetuar sua espécie.

As flechas e os facões perfuravam as peles. Gritos, sangue, vidas. As mulheres que sobraram da tribo correram com seus filhos no colo quando viram que o fim havia chegado impiedoso.

No topo de uma Palmeira subia lentamente seiva bruta por seu xilema. Um sabiá desfrutava tranquilamente por sobre a árvore de um cupuaçu. O barulho da motosserra afugentou-o dali.

No dia seguinte, não se ouviu mais o canto do sabiá. E a terra absorveu a última gota de sangue indígena em terras brasileiras. Macunaíma e Iracema receberam de braços abertos os últimos de sua raça. Viveriam agora como lendas e ícone de bravura.