SORTEIO FALSO- PARTE II
Garotada de idades variadas, mas gravura sempre agrada e conseguimos várias imagens que completassem a minha segunda... palestra para uma plateia infanto-juvenil, sem necessariamente baixar demais a linguagem. EU, "professor", pode?
PALESTRA 2 - DEBRET - Do ponto de vista cultural, JEAN-BAPTISTE DEBRET (1768/1848) foi um estrangeiro atuante e repercutivo - não turista de lugares pitorescos que somente olha e torce o nariz fazendo deboche e sim ele mesmo um desenhista "pitoresco" porque sentia e fazia retratos que depois contaram no futuro a estórias da nossa historia. ----- Veio para o Brasil com outros artistas da Missão Artística Francesa de 1816, quando o príncipe regente D. João (antes de VI) e a Corte portuguesa se estabeleceram no Rio de Janeiro. Durante 15 anos - e aí já no governo de D. Pedro II - lecionou pintura na Academia de Belas Artes, fixou curiosos desenhos da vida brasileira e ainda escreveu um livro, publicado na França entre 1834 e 1839 - "Voyage Pittoresque e Historique au Brésil". Perdera um filho, fato que o afetou muito do ponto de vista sentimental, ah, e sofreu também com a queda de Napoleão Bonaparte a quem muito admirava. Um amigo lhe recomendou uma viagem à Itália. Outro contou que o czar convidara uma missão de artistas franceses para temporada na Rússia. DEBRET acabou aceitando o convite do marquês de Marialva e escolheu o Brasil. Viveu uma vida até certo ponto problemática a partir de sua função como professor - primeiramente não havia um bom ambiente cultural para os artistas franceses, até muito bem pagos, o que explica em parte as intrigas e má vontade com eles, por inveja e despeito. Muitos artistas não aguentaram a mediocridade dos "inimigos" e voltaram para a Europa, mas ele era teimoso e aqui permaneceu... por amor ao jovem país nascente (colônia portuguesa até 1822). Viajou por várias regiões, captando em desenhos os tipos humanos, incluindo fotos da nobreza e as paisagens; anotou para seu futuro livro os usos e os costumes desse Brasil do século XIX. Voltou para sua terra, publicou o livro em Paris e o governo brasileiro concedeu-lhe modesta e merecidíssima pensão. Eleito sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Quando o livro chegou aqui, foi severamente criticado pelos doutores historiadores e ''zôilos" (críticos no sentido de inveja e olho-grande, as piores armas do mundo...) linguarudos que consideraram chocante um estrangeiro pintar com tanto realismo cenas da vida popular e costumes de escravos - essa preferência de tema dito exótico pode ter tido alguma significação política e social, mas era o "retrato" de nosso povo coloridinho... No livro, observações de caráter sócio-econômico e logo na introdução DEBRET afirma "o homem da natureza com seus meios intelectuais primitivos (...) ao contrário do homem da civilização, armado com todos os recursos da ciência". Passado um século, um etnólogo disse que o valor de DEBRET estava justamente no que "viu, sentiu e pintou", o que faz com que seu livro tenha incomparável valor para o estudo da época em que ele viveu entre nós - foi, portanto, sociólogo, etnólogo e até mesmo cronista social: fixou os valores cotidianos pela palavra e sobretudo pelo desenho. Grande artista de comunicação visual! Fonte até hoje para estudos de interpretação do passado brasileiro e da formação da nossa sociedade. ----- Foi descoberto seu túmulo em Paris, muito simples e modesto, localizado no cemitério de Montmartre, abandonado desde 1936, mas em perfeito estado de conservação, precisando apenas de uma limpeza e pintura. Até onde se sabe, a Embaixada do Brasil na França iria cuidar deste assunto, conservando e resguardando o túmulo de DEBRET, no mínimo como que saldando uma dívida de gratidão...
PRODUÇÃO TOTAL: Índios camacãs, peitos nus, cocares / Dança de selvagens na Missão São José / Cavaos dos índios guaicurus / Brancos em mesa de refeição / Cena familiar de bordado e costura / Mulher branca sendo carregada na rede / Elegante casal branco a cavalo, escravo descalço carregando guarda-sol / Na rua, família em fila hierárquica - homem, crianças, mulher, escravas / Nobre numa carruagem puxada a cavalo, cercada de oficiais com espada / Visita do Imperador ao Senado / Casas assobradadas / Convento de São José - paisagem e arquitetura / Igreja de São Pedro / Um padre / Religiosidade - branca e escrava pedindo esmolas num prato / Festa do Divino Espírito Santo - músicos, bandeiras e o menino-imperador / Malhação de Judas, cena da rua / Lavadeiras negras è beira do rio / Interior de quitanda com frutas e legumes / Aguadeiro português, tonel na carroça puxada por cavalo / Leilão de escravos / Negros aguadeiros, tonel na cabeça, ligados por grossas e pesadas correntes / Escravos na 'siesta' - um deitado, outros bebendo, tocando flauta e violão / Barracas do mercado e reunião de escravos / Negras com tabuleiro à cabeça / Na rua, escravos carregando um piano / Escravos vendendo carvão, cana-de-açúcar, linguiça, biscoitos, porcos e galinhas, escravas com espigas de milho assadas e caldeirões de canjica fervente / Escravo na rua com 'colar de ferro' / Escravos deitados no chão, presos pelos pés ao tronco, infame instrumento de tortura / Escravo açoitado em praça pública / Feitor chicoteando escravo com o corpo enrodilhado e amarrado / Enterro de negro - corpo num saco, transportado na rede.
PROJEÇÃO de algumas gravuras em preto e branco. ----- Atenção especial para senhoril mesa de refeição, toalha com ponta de renda: a senhora branca, paramentada, jóias, no ato de dar um 'saborzinho' a um escravinho careca e inteiramente nu... Outro no chão, também nu, comendo "feliz" alguma coisa, tadinho!
Em repetição recente dessa palestra, outra localidade, acrescentei projeções a cores da recente telenovela NOVO MUNDO, produção de época, Brasil entre 1817 e 1822 - cenários interno/externo e figurino, artistas globais trajados com riqueza de detalhes, tal e qual os personagens históricos de carne e osso ("Debret na TV" - revista GLOBO, 25/6/17). Magnífica Praça XV cenográfica!
Fui aplaudido, disstribuí bombons e rabisquei autógrafos.
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FONTE:
"Debret, uma dívida a saldar" - SP, revista CESPAULISTA, ano II, n.12, ag./78.
F I M