A saga de Constâncio e Fabiana(2)
Fabiana estava animadíssima desde que a Madre, diretora do Orfanato lhe comunicara que sua temporada ali tinha terminado. Sua mãe viria busca-la sábado pela manhã, pra voltar pra casa definitivamente, depois daqueles 10 anos passados naquele lugar Agora já era moça feita,com dezoito anos, embora ainda guardasse no belo rosto moreno seu jeitinho (o sorriso e o modo de olhar) de menina.Olhou em volta no pátio e prestou atenção nas várias moças com quem conviveu ali por 10 anos.Estavam todas adultas e tambem tinham sido avisadas que iriam pra casa.Tinham combinado de continuar amigas pelo resto da vida e de se encontrarem no Orfanato todo ano, no dia de Santo Antônio,quando tinha festa do Padroeiro.
Misturadas a elas, dezenas de novas crianças que chegavam trazidas pelos parentes,algumas pela própria mãe, como ela fora e a maioria não devia saber que ficariam ali por muitos anos, como as que estavam saindo.
Sua alegria era quase tão grande como aquela que sentiu quando chegou ali a 10 anos atrás.
Do lado de fora,agora, é que estavam as novidades.Como seria sua cidade nos dias de hoje? E seus quatro irmãos, as poucas meninas que conheceu na vizinhança?
Quando a velha “jardineira” ou ônibus, como chamavam na capital, apontou na estrada de poeira onde começava o Cedro, ela reconheceu a casa da mãe do Lipão, a casa de “Compadre Carrinho” e a casa de Zora, a melhor amiga de sua mãe.
A cidade estava bonitinha como antes, as casinhas um pouco mais velhas,as mangueiras nos quintais pareciam menores, mas as pessoas eram completamente diferentes.Sua mãe adquiriu alguns fios brancos nos cabelos e parecia mais forte e maior.Quando a “jardineira” parou no ponto final entre o campo de futebol e a casa de Mozart, o motorista e dono do ônibus,filho do “Compadre Juca”, de sua mãe,lá estavam três dos seus 4 irmãos.Fulô, Olavo e Nazon; Gestal, o mais velho, tinha morrido, sua mãe lhe contara, numa das raras visitas que fez ao Orfanato.
Nazon o caçula, era corcundinha, Tinha quebrado a espinha, em conseqüência de um tombo que tomou ainda neném, do colo do pai.
Todos queriam abraçar Fabiana ao mesmo tempo, tamanha era a saudade que sentiam da irmã.Ela estava meio assustada,porem “feliz que nem pinto no lixo”.Os irmãos disputavam quem ia levar seus “trens” até em casa. Mala, casaco,frasqueira e sombrinha de sol.A mãe reparou que Fabiana parecia uma “capiau da roça”, com aquele vestido de chita comprido demais, como a Madre e as Irmãs permitiam e seu jeito desengonçado de andar, por causa dos pedregulhos da rua, ou pela falta de costume de usar aquele sapato de saltinho que ganhara de presente da costureira;
Deixa estar, sussurrou Maria Felix. Depois desses dez anos costurando pras famílias mais abastadas do Cedro, seus “corte e costura”, tinham melhorado muito e prometeu a si mesma: “Vou vestir minha filha como as moças mais elegantes da cidade, pois não era euzinha que costurava pra todas elas?
Chegando em casa, Fabiana se instalou no quarto da mãe , tomou café com biscoito fofo que a mãe assava no forno de barro e foi rever o quintal onde brincava quando criança.A mangueira enorme cheia de mangas maduras tinha encolhido, ou era impressão sua? O galinheiro tava vazio e o chiqueirinho onde sua mãe tinha sempre uns leitõezinhos engordando pro natal,só tinha um morador, bem novinho ainda mas esfomeado como um touro.Os irmãos a chamavam de “Nêga”e não desgrudavam de seu pé; Nega... falou Nazon..:.Tem um buraco aquí na cerca, vamos fazer uma surpresa pra Zora?E foram os cinco fazer zorra na casa de Zora que socava grãos de café torrado no pilão de madeira..Zora levou um susto:Quem é essa moça,gente?
“é a Nega, Zora...responderam quase em coro!
Nega,,minha fia.Mas ocê virou uma moça muito bonita.Dá cá um abraço.Mais café fresquinho e muito biscoito fôfo...
Uma semana depois, Fabiana já tinha se acostumado á rotina da casa, que agora estava mais arrumadinha, já que ela enquadrava os irmãos no sistema do Orfanato.Cada um tinha uma obrigação e tudo tinha que voltar pro lugar de onde saiu...Talheres,sapatos,roupas. Sua mãe estava é gostando de ter uma “professora” em casa!Das coiss que aprendeu no Orfanato além de Disciplina e cuidados pessoais o que mais gostava era de participar dos ensaios de Teatro que tinha todo Fim-de Ano.Contava sempre de uma em que ela terminava enrolada na Bandeira do Brasil e fazia um discurso .A pessoas aplaudiam e choravam emocionadas...
Aos poucos Fabiana foi começando a sair á Rua.Tinha vergonha, pois não conhecia mais ninguém,mas as pessoas se lembravam dela.Aquele sorriso e o jeitinho de olhar...”Mas gente, é a “Nega” da Maria Fel que voltou do Internato,Mas tá uma moça linda oi só! Era sempre assim no Chafariz, pra pegar água, no Armazém de seu Juca, pra fazer compra,ou quando ia até a Fábrica levar café pro Fulô.Este, que era muito sério e ciumento pediu pra mãe: Mãe, num manda mais
a Nega levar café com pão pra mim lá na fábrica não...Fica todo mundo olhando muito pra ela.Teve um gaiato até que eu tive de dar uns empurrões nele, porque me chamou de “cunhado”, pode, mãe?
Ta bom Fulô . Nega não vai mais. De amanhã em diante, vou mandar o Nazon levar seu café.Garanto que ninguém mais vai te chamar de cunhado...
Fabiana gostava mesmo era da missa de domingo de manhã; Achava tudo tão bonito,O Coro, lá no alto, as imagens e as moças e rapazes que ficavam desfilando na pracinha depois da missa;Fez novas amigas;Soube que algumas que conviveram quando crianças ,com ela, já tinham casado ou se mudado de cidade...Nesta altura ela já usava os novos vestidos que a mãe fizera e tinha se acostumado com os sapatos de saltinho, nada exagerados;
Fulô é que ficava de cara fechada Se algum rapaz se aproximasse da rodinha onde ela estava, ele aparecia de repente:”Nega, Ta na hora de ir pra casa... Só falava uma vez e saia caminhando.Ninguem se atrevia a falar nada.