FACA ATUAL. TATARANETA?
1---Lenda com bases reais. Iniciozinho do século XX.
2---Centro do Rio de Janeiro, região da atual avenida Presidente Vargas (nem sonhavam que ela existiria depois) e do chamado Quartel General. Ruazinhas estreitas, sobrados residenciais com muitos quartos e famílias agrupadas, 'herança' do tempo de D. João VI; em paralelo, corredores térreos cimentados, quartos à direita e à esquerda, os populares "cabeça-de-porco", moradia coletiva, no geral insalubres - tantos lusitanos que a localidade recebeu o apelido de Portugal Pequeno. Ciganos em menor número, embora muitos, que armavam tendas provisórias em terrenos baldios ou ocupavam casas pobres. Havia uma tal de Nazaré Padeira (dizia-se descendente da lendária heroína Padeira de Aljubarrota, valente, que em 1385, com a pá de trabalho matara sete castelhanos escondidos num forno - depois constituíra uma milícia feminina qua matava inimigos sem piedade). Braba, esta Nazaré! Deliciosos pães artesanais... Uma cigana fez farta encomenda para uma festa ("bródio") de despedida - acertou de véspera que, não tendo mil-réis para pagar, oferecia em troca uma medalhinha de Santa Sara e uma faca bem grande, sinais cabalísticos no cabo de dente de elefante africano - seria um objeto mágico, podendo cortar, as "gargalhadas" /bela palavra!/, orgulho de todo homem, mesmo ele não estando nu. Bom, Nazaré não acreditou na exótica magia, mas aceitou a permuta para não ficar em total prejuízo. Perto de amanhecer, tendas desmontadas, violinos saudando o sol e a ciganada partiu.
3---Manuelzito, marido malandrão de Maria Nazaré, encantava, cantava e decantava o mulherio ao redor. Ameaçar com a faca não adiantava (casal briga na vertical, se reconcilia na horizontal - desde Adão e Eva...), medo nenhum. Mas praga de esposa provedora e traída pega mesmo.
4---Não mais tempo de bonde puxado a burro, cidade em franca modernização, porém animais viviam soltos pelas ruas da cidade - vacas e cabras "vendiam" leite e queijo; burros carregavam mudanças; burras geralmente carregavam frutas e potes de mel, mais leves. Briga entre marido pouco trabalhador e mulher "zoológicos", população ao redor se divertindo, quando a fêmea, delicada e mais frágil /e muito assustada com a possibilidade de um feminicídio/, tentou atingir o macho com um coice... e atingiu de cheio... o homem da Nazaré. Vizinhos o carregaram ao colo (não exatamente em triunfo!), sangrando, mudo pela dor, meio desmaiado - o primeiro "phisico" (médico) vacilou no tratamento inédito de esmagamento e o segundo também possuía uma faca... cirúrgica.
5---Faca de casa emprestada às amigas, mais acidentes mágicos parecidos... Também a tal faca mágica teria cortado tranquilamente um super tronco de árvore centenária no Campo de Santana, perto dali.
6---Verdade ou continuação da lenda, não sei se é a mesma faca através das gerações, porém eternizou-se a frase de acordo com a atual tecnologia - "...corta mesmo à distância até embutidos congelados"........
Rio não faz parte de minhas intenções turísticas.
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NOTAS DO AUTOR:
1---MACHADO DE ASSIS - Em 4/7/1883 - "...regras para uso dos que frequentam os bonds. /Grafia da época./ O desenvolvimento........." in "Balas de estalo", conjunto de crônicas, autor sob pseudônimo - Rio, revista Gazeta de Notícias, (1883/1886) ----- Em 16/10/1892 - "Não tendo assistido à inauguração dos bondes elétricos, deixei de falar neles." - crônica-fábula: reflexões de dois burros falantes, agora -desempregados', coitados! - Rio, coluna "A semana", mesma revista.
2---Expressões de época que resistem ao tempo: "do tamanho de um bonde", uma coisa muito grande; "pegar um bonde" ou "dar um bonde", sentido de pegar carona em qualquer veículo; "comprar um bonde", fazer mau negócio; "tomar bonde errado", enganar-se.
F I M