POLICIAL TAMBÉM AMA
POLICIAL TAMBÉM AMA
Era uma madrugada fria de sábado, ouvia-se uma música num som bem alto, que era tocada no único clube de danças da cidade. Era exatamente 1,15 horas. O policial ronda aquela pequena cidade do interior, de pouco mais de 120 mil habitantes, em busca do nada. O última cinema, que era a alegria dos namorados fechou, se transformou em mais uma igreja evangélica. A madrugada continuava tranqüila, apesar de se ouvir os passos apressados e nervosos do policial. Ele vigia a cidade, enfrenta uns poucos desordeiros, de bêbados, de vizinhos fofoqueiros etc., é alvo de gangues de pivetes, que fazem bagunça pelas portas de aço das lojas; ora dando pontapés, ora urinando nelas, deixando um fedor forte de amônia, no dia seguinte e, essas coisas tiram o sossego dos moradores que querem dormir, aquele policial não faz mais nada do que a sua obrigação. Obrigação???... Muitas obrigações???... enlouqueceriam qualquer um, menos ao policial, fiel à suas responsabilidades, indestrutível, invencível na luta contra o crime e a impunidade.
Esquecem que ele é ser humano. Tantos desejos, tantos sentimentos suprimidos, por debaixo do uniforme. Lamenta o policial, enquanto o vento frio da madrugada de inverno, se apossa da sua alma. Hoje, a cidade está vazia. Nenhum movimento brusco, nenhuma briga. O policial se silencia, esquecendo um pouco do seu serviço, enquanto entra no único bar aberto aquelas horas, a fim de tomar uma bebida quente, um cafezinho ou uma xícara de chocolate. Apesar do uniforme, hoje o policial, é apenas um ser humano, tolo, que como todos os outro seres humanos, se deixa levar pelos pensamentos, pelas recordações.
Lembra daquela viagem que fizera, atrás de um amor perdido. Enquanto seus amigos se divertiam, nas festas, nos bailes, nos bares etc. ele tirava uma foto do bolso e ficava olhando e divagando. Era a foto da sua amada. Olhava em seguida uma caixinha, que trazia na “polchete”, continha a aliança que tinha comprado pra ela. Naquele dia, o policial estava de folga. Naquele dia, o policial era só sonhos, enquanto o inverno apertava seu coração ferido. Hoje ele lembra da rejeição que tivera, dos olhos da amada dizendo não, da aliança jogada no chão. A aliança... oh, não... aquilo não poderia ser verdade.
Naquele dia ele a seguiu como um cão em busca do seu dono. Foi ao clube onde costumava ir e teve uma desagradável surpresa, ela não estava sozinha; havia uma outra pessoa junto dela (talvez sempre houvesse...). Deu vontade de reagir, de voar em cima dos dois, mas as coisas não podiam ser assim, não eram bem assim. “Ela merecia coisa melhor”, pensava. “As coisas são difíceis de se entender”, pensava ele.
Lembrou-se também do quanto aquilo doeu e ele precisava amenizar aquela dor. Naquele mesmo dia se vingou. Não matou ninguém, mas se vingou. No clube ele divisou a arma que usaria em sua vingança: uma mulata muito linda, mais bonita do que ela. Com corpo escultural, parecia até que já fizera parte de algum concurso de beleza. Muito mais bonita que a sua amada.
Dessas lembranças, o policial guarda um sorriso amarelo. Sua vingança teria dado certo, não fosse o sentimento de amor... paixão...? Ficou com a mulata, mas não foi a mesma coisa. Por mais linda que a mulata fosse, não seria ela capaz de tirar a sua amada da sua mente, da sua alma. “Não, não era a mesma coisa...”
Lembranças se evaporaram. O frio do inverno congelara suas lágrimas. Lágrimas ocultas de um policial que abraça ao sentimento de mágoa e de solidão.
De repente, um barulho interrompe seus pensamento na madrugada. Duas pessoas brigam próximo a esquina, por um motivo qualquer. Ele volta a ser policial, na acepção da palavra, invencível, indestrutível, incorruptível. Não vê a aliança que cai e se perde no chão. Uma aliança como outra qualquer. Uma aliança que o vento frio se encarrega de varrer para o nada. Mas o dever de cidadão, de autoridade policial, indo resolver aquela briga, estava prestes a ser cumprido. Assim é a vida... aquele policial das noites... naquela cidade do interior do Rio...