Crônica De Uma Cadeira De Balanço
Cadeira de balanço, perfume de beira mar, lembranças, saudades, alegrias, tristezas, uma sonata de sentimentos sem partitura. Tempos idos, recém mortos, seu berço jogado no lixo dos tempos, nos socavões das mansardas destruídas pelas desmemorias. O amor da amada e pela amada rompido por uma ruptura abrupta; a mansão, solidão; os filhos na labuta da selva, um leão a cada dia, o eixo da roda da existência meio fora do prumo, eles o consertando, perdendo-o, enferrujando-o. Num repente o enredo é alterado, a farsa transforma-se em drama, atores mambembes de currículos fabricados em sofás e camas largas ditam o ritmo dissonante entre o escrito e o ensaiado, diretor mandando parar tudo, tudo às avessas, não fora o combinado. Mas aconteceu. Planos na sarjeta, puseram-no naquele antro de inválidos com a manchete pomposa de casa de repouso: advogado, psicólogo, assistente social, médico pra toda obra, casarão encarando o marzão azul, finais de semana eles viriam vê-lo, seus filhos, seus netos, suas noras, a trupe mal engendrada nos sêmens fogosos de seu órgão reprodutor. Como se fosse um vegetal gigante, como se fosse roupa doada para desparidos da sorte, vesgos e amuletados trabalhadores febris e desmentais. Podaram-lhe a raiz de suas crenças, jogaram gás mortal nos guetos de sua resistência, havia barricadas e intifadas pralém daquelas paredes burguesas e ele, guerrilheiro cheguevaresco amordaçado, o cheiro dos morteiros e fuzis existenciais nas descargas dos watercloseres de luxo. Traíram-no do modo mais rasteiro, de fazer inveja a Judas e nem pensaram em se enforcar, talvez o galho lhes resistisse o peso da pérfida consciência, ou os anjos das noites tenebrosas lhes trouxessem socorro em ambulâncias movidas a fogo.
Era um e era muitos, perdoador e acusador, um ser lacerado e remendado por nós retorcidos de cordas de revanche; atol de experiências nucleares, perdoava-os, apesar dos peixes e baleias e tubarões dizimados pelos mísseis. Havia de. Eram seus descendentes, sangue e células, devia. Os olhos não os olhavam, a boca não lhes falava, o ouvido desouvia-os, só a pasta de seus olhos movia-se sem tino, procurando farol de praia alhures. E nessa peça de um único ato tinha total controle de seus movimentos, seus alcances, enganava-os como o governo engana a massa, o verbo engana a estrofe. Foram lépidos em feri-lo, espasmódicos em entendê-lo. O roteiro assim o exigia. Sempre seguira fielmente o roteiro. Quando se fechassem as cortinas, ouviria os aplausos entusiásticos, os pedidos de bis, perdoava-os. Seria o grand finale. Haveria outros textos, outros desempenhos arrebatadores, o drama, a farsa, a ópera-bufa, a trilha sonora grandiloquente. Perdoava-os.