UM OLÁ, UM ADEUS: UMA SENTENÇA

Foi um dia desses quase sempre terminado em temporal.

Era uma tarde pesada, as folhas caiam tristes, num gesto de obrigação. O sol brincava de esconde-esconde naquele céu agourento, e quando aparecia, embriagado e teimoso, queimava até as peles mais tenras. Forcei os olhos para acreditar e naquele céu pirracento, saiu livre e espontânea uma gota de dor.

Março estava iniciando e com ele uma lágrima perene.

O carro deslizava apressado, no asfalto que ardia os corações preparados para uma dor maior. Poucos instantes antes de estacionar, o carro prenunciou outra lágrima minha.

Havia muitas pessoas naquele lugar de caras fechadas, olhares sombrios e os sorrisos já se tornavam idiotice naqueles instantes. As falas também eram sombrias e disfarçadas, mas o silêncio e o pranto eram maiores e mais valiosos na nossa chegada.

A casa estava cheia. Alguns rezavam aos céus para que os anjos abrissem a porta e deixassem entrar aquele nosso amigo. Outros, com o olhar fora de tudo, fora de todos, mexendo com as flores do jardim para que o tempo passasse despercebido e as lágrimas não rolassem.

O meu coração fingindo serenidade, viu a tua imagem. Demoraste no meu ombro, onde as lágrimas rolavam como a tarde pesada exigia. Tentei demonstrar a vida que ele teria deixado com a despedida, e tu apenas choravas.

Os outros também ofereceram o ombro para uma lágrima tua, mas ninguém te conseguia convencer da vida.

Peguei nos teus braços, olhei nos teus olhos, sequei tuas lágrimas, que pouco a pouco se foram dissipando com as palavras. Tu me escutavas, já saciada de lágrimas e agora somente tristonha.

Bem sei que tu sabias da vida, mas eu te mostrei a outra também. Aquela para qual fora ele, chapéu na cabeça, barriguinha sadia se exibindo, chinelo nos pés. À moda caipira ele passou de uma vida para outra. Ele existiu. Dormiu coroado de carinho dos amigos, da família e de ti.

Tu me contaste, um dia, que muitas vezes conversavas com ele, sentada em suas pernas. Hoje, ele ainda está te esperando, sentado. Senta, pois, e fala... de vida somente.

Ivonete Frasson
Enviado por Ivonete Frasson em 01/08/2018
Código do texto: T6406798
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