"RIO DE JANEIRO, GOSTO DE VOCÊ........" (canção)

Vida despretenciosa, alegre, distensa, sem angústias ou neuroses, muita feliz miscigeração cultural e racial... A característica irreverència da cidade e seus moradores, numa origem histórica e etnográfica, cerca de então 50 mil habitantes (muito mais escravos que portugueses), talvez tenha começado quando em 1808 chegaram a Corte Portuguesa e muitos "amigos" também anti-Napoleão, marcadas com PR (de Príncipe Regente) as casas a serem despejadas e desejadas para a comitiva de nobres, e rapidamente o carioca "traduziu" a sigla como "Ponha-se na rua"... /Os chamados memes da atualidade./ Como herança, um chiado na fala, resquício deste sotaque lisboeta. Eterno caldeirão cultural forjando estereótipos, a Inglaterra proibiu o tráfico africano, muitos escravos foram vendidos para o Vale da Paraíba, voltando para o Rio após o abençoado 13 de maio - dessa gente, a musicalidade, a alegria e a descontração sempre atuais. No Brasil colonial, havia o entrudo português, festa bruta de atirarem água e urina uns contra os outros, ou seja, em escravos e em pobres; em todo caso, precursou e preconizou o carnaval. Procissões, cerca de cinco ao mês, eram recreativas (séculos antes de Fla X Flu e telenovelas), nobres e políticos à frente, depois os brancos e por fim os negros, base da pirâmide social, alegres e descontraídos. O sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes reunia amigos e tocava bumbo no centro da cidade, especialmente na rua do Ouvidor, daí surgiu, em 1870, a figura do "Zé Pereira" - carnaval popular, com quase imediata adesão da elite. Sem elite, os batuques na Praça Onze, berço do samba: de um lado, os blocos de rua, do 'sujo', sem fantasias, irreverente improviso carioca, alegria barata X de outro, corsos, moças fantasiadas nos carros abertos, desfiles chiques, alegria artificial. Num Rio criativo, inicio do século XX, reforma urbanista do prefeito Pereira Passos e o sanitarista Oswaldo Cruz, apressado em vacinar a população e combater epidemias, foi o meme da época, as autoridades comprando ratos aos moradores como estímulo a que caçassem os bichinhos para depois ganhar 'dindim' fácil... Tudo, entretanto, tem dois lados que acam se unindo - o bronzeado de sol não era bem visto, pele escura (africana ou de afrodescendente) era desvalorizada nas altas rodas até os anos 30; com bondes e ônibus cruzando o Túnel Rebouças, a praia foi se tornando opção geral, ponto de encontro democrático de todas as classes sociais. Nos anos 30, a amplitude do legado africano ainda criminalizado, os brancos o 'descobrindo' ao longo dos anos, e ao início dos anos 60 /tempo de Bossa Nova e Cinema Novo.../, a classe média subia para as rodas de samba no alto dos morros, experimental cachaça nos copos, nada absurdo - inagurado o sambódromo em 1984, Mangueira vencedora!!! Na década de 50, "anos dourados", grande difusão televisiva dos hábitos cariocas - Rio como sinônimo de alegria, felicidade, libertação... A noitada começara em 1808 com os primeiros bailes nos salácios palacianos - foram surgindo os teatros, as gafieiras, as discotecas; nos subúrbios, os bailes de soul e funk... O boteco ou pé-sujo, beber sozinho ou com amigos, estabelecimento de irreverência, é praticar a arte do encontro e do bate-papo descontraído.

O carioca ama a rua - sair, conviver com muita gente, conhecer novas pessoas, muito ágil para ensinar e aprender tendências e modismos. Hoje, apenas a violência os retrai, trocando a praia aberta pelos clubes e shoppings refrigerados, em franca alteração de otimismo e pessimismo. Humor cíclico, mas "pra cima", esperançoso. Deixar a cidade? Ir para onde?...

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NOTAS DO AUTOR:

"Valsa de uma cidade" - digníssimos autores: Antônio Maria (pernambucano) e Ismael Netto (paraense), 1954.

Rua do Ouvidor, a 'chique' da época - confeitarias da moda, editoras e livrarias, primeira rua a receber iluminação elétrica, susbstituindo a de azeite e a posterior a gás.

FONTE:

"Assim caminha o astral do carioca: cíclico, mas não imbatível", artigo de Carina Bacelar - Rio, jornal O GLOBO, 1/1-/17.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 22/07/2018
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