Uma nova chance para recomeçar
Uma nova chance para recomeçar
Ema Machado
Um arrepio subia-lhe pelas costas - a sua frente o muro que o separava do passado, dos momentos mais preciosos de sua existência.
- Consumado - pensava - respira fundo ao retirar a chave da porta. Com enorme pesar despedia-se da antiga casa, onde pensou viver até seus últimos dias - ali viveu a doce infância, a adolescência e parte da turbulenta vida adulta.
Pesava-lhe os trinta e oito anos. Sorvia o veneno da culpa, era apenas dele e de ninguém mais...
Escurecia, as primeiras luzes eram acesas. As pessoas retornavam a suas casas, enquanto ele, iria pernoitar sentado em um desconfortável banco da rodoviária até as seis da manhã, depois, deixaria para trás toda sua história.
Enquanto caminhava, lembranças o acompanhavam. Pode ver novamente o olhar triste do pai ao morrer de desgosto; ouvia o grito mortal do silêncio da mãe que aos poucos definhou até deixar-se levar para casa de repouso onde permanecia alheia à vida. Atravessa a rua sem olhar, deu-se conta do ato após o motorista desviar gritando alto: - Louco! - Seguiu cabisbaixo sem se importar.
Não se importava com o que os outros pensavam ou diziam dele - nem mesmo os pais - viviam tentando fazer com que ele mudasse de vida. Adorava a vida que levava, entre prazeres e noitadas. Gostava de viver, e isso para ele, resumia-se estar em companhia de belas mulheres, frequentar bons restaurantes e bons cassinos. Foi assim que dilapidara todo patrimônio que os pais construíram com esforço.
Nunca se preocupou em assumir os negócios do pai, “o grande produtor de cana de açúcar” da cidade de São Carlos, isso, até ele se envolver com jogatinas. O pai temendo que fosse parar na cadeia, optou por vender tudo para pagar dívidas que eram dele. A casa foi o último imóvel do qual se desfizeram. Porém, o preço mais alto ainda seria pago - seu pai não suportou a derrota, um infarto fulminante se encarregou de poupar-lhe a vergonha em ter que recomeçar do nada - não havia mais tempo para isso...
As recordações o açoitavam, de tal forma que as lágrimas desciam incessantes, nem se ocupava em seca-las.
- Oi, posso ajudar? – Parece-me que você não está muito bem.
A estranha que surgiu do nada, era como miragem no deserto em que ele se encontrava. Levantou o rosto para olha-la, era linda... Sentiu algo estranho, como se a conhecesse de outra época. Por mais que esforçasse, não se lembrava de onde.
- Não foi nada - Estou apenas um pouco alérgico, meus olhos ficam irritados – Respondeu, limpando-se com as costas das mãos.
- Tudo bem então – desculpe por incomoda-lo. Boa noite.
Sentiu-se um completo idiota. Ela se foi, e nem ao menos perguntou seu nome. Ainda sentia aquele delicioso perfume no ar...
Após andar durante quinze minutos, avistou a rodoviária, parecia vazia como ele. – Ainda bem que poucas pessoas viajam no meio da semana – pensava.
Havia comprado passagem no dia anterior, restava-lhe acomodar-se para passar a noite. Era o único lugar onde poderia abrigar-se.
O rosto da desconhecida não saía de sua memória. Não conseguia esquecê-la, permanecia a sensação de tê-la conhecido tempos atrás. Difícil se lembrar, era grande o número de mulheres que passaram por sua vida. Ainda que esforçasse, não conseguiria se lembrar de todas elas - à maioria, interessava apenas o que o dinheiro dele poderia lhes proporcionar...
Ela possuía olhos grandes e marcantes, a voz doce, e os cabelos negros como os olhos... De repente, como se uma lâmpada acendesse - num rompante o nome veio-lhe a mente – Mariana! - Como a esquecera! A doce amiga de adolescência...As lembranças vieram à cabeça, desfilavam como cenas de um filme...
Cursaram o último ano do colegial, estavam sempre juntos. Gostavam das mesmas músicas, mesmos filmes, havia sempre muito o que conversar. Mariana era a garota mais cobiçada pelos colegas de classe, por isso ele gostava de monopoliza-la. Sabia que ela se apaixonara por ele, mas, não queria namoro sério. Além do mais, o pai dela era funcionário na usina de açúcar do pai dele, ele não queria confusão. No último dia de aula conseguiu beija-la. Lembrou-se da maciez e doçura daqueles lábios, e quão inocente fora o beijo. Era jovem demais, a vida mudou o curso - foi para o exterior fazer faculdade e nunca mais soube dela.
Sentiu frio, levantou-se seguindo rumo ao guarda volumes, onde deixara as malas no dia anterior - precisava apanhar um agasalho, seria longa a noite de espera.
Encontrava-se de costas, tentava lembrar-se em que mala estava o agasalho que procurava, quando...
- Oi, nos esbarramos novamente! – Percebo que está melhor da alergia.
- Posso ao menos perguntar seu nome? Perguntou sorrindo.
- Bernardo – Não se lembra de mim?
- Não pode ser! Bernardo? – Do ginasial?
- Isso! – E você é Mariana, não é?
- Como se lembrou de mim? – Mudei muito, não acha? - O tempo passa - Confesso que não o reconheci com essa barba.
- Vai viajar?
Ele não sabia o que responder. Ela demonstrava tanta segurança - Será que estava casada? Parecia uma executiva, elegantemente vestida e maquiada.
- Ei, eu lhe fiz uma pergunta! Ela ria novamente.
- Desculpe-me, estava pensando - Estou indo para São Paulo morar com meus tios até conseguir um emprego - Respondeu cabisbaixo. Como se aquilo fosse indigno dele.
- Não trabalha com seu pai? Ela perguntou abruptamente.
- Meu pai teve que vender a usina, morreu a poucos dias - Perdemos tudo, isso por minha culpa. É uma longa história, do qual me envergonho...
- Meus sentimentos...Lamento sinceramente - sei o quanto deve estar sofrendo.
Ela o olhava de maneira diferente, parecia querer diminuir-lhe o sofrimento.
- Deixe pra lá, sei que terei que conviver com esse peso.
- Agora vamos falar de você - Se casou, tem filhos? Ele tentava trocar de assunto.
- Não me casei, optei por estudar - Após concluir o curso de comércio exterior trabalhei duro e consequentemente acabei como sócia majoritária de uma das empresas para qual trabalhei. Não pense que é fácil, trabalhamos com exportação e importação. Não sobra muito tempo para pensar em ter filhos. Minha família ainda mora aqui, sempre que posso dou uma passada para matar as saudades.
Ela parecia entender o desconforto dele - agora ele era o pobre... Ele sabia que em breve iriam se despedir e a vida seguiria outro curso. Ela o esqueceria novamente.
- Bernardo, posso perguntar em que você se formou?
- Administração de empresas. – Respondeu.
- Que ótimo! – Em minha empresa há um lugar vago. O salário não é grande coisa, mas, penso que dará para você recomeçar. - Se quiser... O lugar é seu.
Ele permaneceu calado e ela não lhe dava chance de falar.
- Também estou voltando para São Paulo, se quiser pode vir comigo. Estou a caminho do aeroporto. –Vim à rodoviária marcar passagem para amiga que veio comigo. - Ela morre de medo de avião e preferiu ficar aqui mais uns dias, só volta à São Paulo no fim de semana.
- Meu ônibus sai pela manhã - Conseguiu dizer envergonhado.
Ela não se deu por vencida, parecia não desistir fácil... Era linda e determinada.
-Vamos! - Trocamos sua passagem para o nome da Rafaela, seguimos para o aeroporto e daqui a pouco estaremos em São Paulo.
A vida estava sendo generosa, dava-lhe uma nova chance. Não iria desperdiçar.