Juventude (abril de 2018)

Emília era franzina em demasia, e graciosa. A beleza da moça de vinte e poucos anos fazia jus à sua idade. Era consenso no escritório que ela não teria mais que dezoito, o que não era verdade. E ela era aplicada, organizada e habilidosa. Poder-se-ia dizer que era movida pela razão, mas a verdade é que acreditava sobretudo na sorte.

O escritório de advocacia do seu Ruiz empregava outros advogados recém-formados como ela; havia como ela o Charles e a Marisa. Mas o xodó do proprietário era mesmo a Emília. Adorava quando, na segunda-feira de manhã, a morena de cor de chocolate surgia no trabalho com a pele dourada de sol – reflexo do final-de-semana de praia.

Seu Ruiz, na casa dos sessenta anos de idade e viúvo, apreciava de uma forma toda sua a funcionária. Acreditava que a amava, mas temia que a perdesse na eventualidade de que ela soubesse de seus sentimentos em relação a ela. Seus olhos brilhavam e ele disfarçava quando ouvia o bom-dia respeitoso de Emília: “Um bom-dia, senhor Ruiz”.

Para evitar transparecer o amor que sentia, o senhor Ruiz respondia taciturno: “Bom-dia, minha cara!” E então encontrava qualquer coisa para a jovem moça fazer. Sempre havia algum trabalho de computador, alguma coisa para organizar, muitas laudas de papel para ler, havia petições e material para protocolar.

Emília gostava de um rapaz que morava vizinho a sua casa, em um bairro distante do centro onde ela trabalhava. Namorava havia alguns meses com ele, e acreditava na reciprocidade do amor dele por ela. A garota era feliz no amor, e não cogitaria pensar em outra pessoa para devotar seus sentimentos. Achava que com ele se casaria.

Uma vez, o senhor Ruiz ouviu uma conversa de Emília com Marisa, conversando sobre toda a felicidade de Emília com o namorado Felipe. Prestando atenção no que as jovens diziam, aquilo despertou um misto de ciúmes e desamparo no senhor Ruiz. Mas, como não saberia lidar muito bem com a paixão que sentia, forçou-se a pensar em outra coisa.

Emília sentia-se apaixonada por Felipe; o senhor Ruiz era apaixonado por ela; Marisa, casada, era confidente e incentivadora de Emília; Charles participava apenas das conversas no almoço, sendo alheio a tudo o que se passava no ambiente de trabalho, ele centrado em seu umbigo. De fato, a única coisa que interessava a Charles era o futebol.

E ela acreditava na sorte. Emília, com toda a força de sua juventude, acreditava na sorte para conduzi-la na vida. Era feliz na vida pessoal e era feliz no trabalho. Pensava que tudo se devia à sorte de sua juventude e, é claro, de sua aparência que seduzia. Nunca lhe passou pela cabeça que algo de ruim, um azar, pudesse vir a roubar-lhe a vida.

Onde estava, afinal, a sorte? O senhor Ruiz invejava cada vez mais Felipe, que sabia morar nas redondezas da residência de Emília. Foi aos poucos, em silêncio, planejando um dia encontrar-se com Felipe e tirar satisfação sobre o relacionamento desse com Emília. Sua coragem crescia diariamente, mas terminou por fim desistindo encontra-lo.

Desatenta em relação ao destino que se configurava na vida de Emília, Marisa sempre comentava em voz alta os acontecimentos no namoro da amiga. Falava em alto e bom som para que todos pudessem se alegrar com algo que, segundo Emília lhe dissera, terminaria seguramente em casamento no próximo ano.

Por conta de seu amor que se configurava cada vez mais impossível, o senhor Ruiz se entristecia a cada dia. Aquele anjo que lhe desejava bom-dia de forma tão fragilzinha, estava com certeza nas mãos de um qualquer, de um cafajeste. Desistira mesmo de procurar Felipe: falaria de seu amor diretamente com Emília.

E foi chegada uma sexta-feira em que Ruiz tomou fôlego para interpelar Emília. Contaria tudo para a moça no final do expediente. Naquele dia perfumou-se e colocou o melhor terno com a melhor gravata que possuía. Já os sapatos brilhavam de engraxados. Pôs abotoaduras nos punhos do paletó e usou creme perfumado amaciante nas mãos.

A juventude formula ideias enganosas. Da mesma forma como acontecia com a jovem Emília, acreditam ter uma vida longa pela frente por que Deus lhe ajudaria e sorte não lhe faltaria em razão de sua atitude positiva em relação à vida. Uma vez tão dedicada ao trabalho e afirmativa no amor, a sorte não haveria de lhe faltar.

E veio o almoço. O senhor Ruiz não almoçava com os subalternos, mas isso não significava ofensa a ninguém. Ele almoçava em um restaurante a quilo sofisticado na esquina, perto da prefeitura. Já Charles, Marisa e Emília almoçavam juntos no restaurante do espaço de convivência onde ficava o prédio do escritório de advocacia.

Esse dia Marisa tentou convencer Emília a acompanha-la até sua casa depois do almoço para ajudá-la com uma filha febril, que havia deixado em casa. Emília pediu-lhe desculpas, mas não iria acompanha-la até lá, ausentando-se do trabalho, porque o chefe lhe pediu para que não saísse depois do expediente sem primeiro falar com ele.

A sorte torna o jovem imbatível. Nada de ruim pode lhe acontecer na vida. Uma vez que leve a vida com um sorriso aberto, em tudo a sorte lhe ajudará. A percepção daquele meio-dia quente de sol azul sem nuvens e toda a excitação no movimento incessante dos carros na rua conseguia velar o que o destino preparava para Emília.

Subiram depois do almoço apenas Emília e Charles. A ausência de Marisa havia sido perdoada pelo senhor Ruiz. Os dois estavam um pouco sonolentos, mas não fizeram corpo-mole. Puseram-se a trabalhar juntando papéis, lendo e separando material de trabalho. O senhor Ruiz, contrariando seu hábito, chegou do almoço depois dos dois.

Findado o dia de trabalho, Emília foi ter com o senhor Ruiz em sua sala. Ele, para estranheza dela, perguntou a quem ela amava. Respondendo que amava Felipe, o chefe retirou da gaveta um revólver e desferiu três tiros mortais na moça. Depois pôs-se a chorar copiosamente, mas não se suicidou em seguida como havia planejado.