Primeira decepção amorosa
Estava lá a minha frente, aquela caixa vermelha, de quinas perfeitas, era o vermelho mais vermelho que já tinha visto, um metro e setenta talvez, um puxador cromado, um fio de metal polido que a atravessava de norte a sul, dando um estilo de requinte à porta. Essa, quando aberta, um luxo, divisões milimetradas, de baixo para cima, havia gavetas para verduras, divisões em grades brancas, as quais podiam ser reguladas conforme a necessidade de cada família. Com suportes nas partes internas da porta, cabia refrigerantes aos montes, não que os tivesse, mas sonhar era possível, então, via-os ali todos borbulhantes, junto às maças e outras frutas que minha imaginação criara. Só não entendia porque tanto espaço para ovo. Nunca soube que ovo era algo que necessitasse de geladeira, mas estava lá tomando lugar de outras coisas saborosas que de minha colorida imaginação fluía.
Os homens chegaram carregando-a com tamanho cuidado, eram três, e a força era gigantesca, que fechava meus olhos com medo de que eles pudessem soltá-la, de tão pesada que parecia. Colocada no lugar, um canto reservadinho na cozinha, agora, éramos namorados, ela minha e eu só dela. Passava horas a olha-la, de quando m quando me aproximava e sorrindo abria-a na alegria mais irreverente, sorria alto; minha mãe achava que delirava, e eu me aquietava, prendendo a vontade de abraçar e beijar aquela máquina que ainda esperava por ser conectada em uma tomada.
As horas passaram, já com o gás interno adormecido, foi a explosão de contentamento. Ligaram-na. A máquina deu um e tremelique, o motor começou a funcionar, era um som rouco, suave; uma musicalidade. Eu deitava-me ao chão, e ouvia aquele som por horas. Não podia abri-la, pois dentro dela ia nascer gelos, e eu fica questionava-me: _ Como aquela mágica podia acontecer, quando a eletricidade que a fazia funcionar? Não me prendi em buscar respostas, queria mesmo era ver o gelo lá dentro tocá-lo, e senti-lo como na televisão, que assistira na casa do vizinho.
Assim adormeci, e quando acordei no dia seguinte, sai daquele minúsculo quarto, todo meio atrapalhado, não havia nenhum adulto ali; todos tinham saído para trabalhar. Comigo, apenas meus 2 irmãos mais novos, um de 6 e outro de 4 anos de idade. Assim, eu, somente eu, era a chefe da casa, e podia fazer o que bem entendesse. Namorei abracei, beijei, abri umas dez vezes espiando, curioso e medroso. Foi quando tive a ideia de querer sentir o gelo com toda minha emoção. Abri o congelador minúsculo, coloquei a língua nele e fiquei ali esperando alguns minutos, não é que fiquei com a língua presa! Pois é, sem poder gritar, aquela ingrata maquina a qual me dedicara horas paquerando me fazia passar a maior das vergonhas, minha língua esta fixa, eu batia em sua lata para que meus irmãozinhos viessem me socorrer. Joga água, balbuciava, uma vez que estava sem condição de falar. Meus irmãos entraram em desespero, o mais novo pôs-se a chorar, enquanto o outro enchera uma balde de água e num esforço enorme, banhou a todos nós, não sei se realmente foi a baldada de água fria que me salvara, ou o susto diante de tudo aquilo, o certo que que me desprendi daquela besta fera. Passei dias sem olhar para aquilo. Mamãe estranhou meu relacionamento com aquela Consul, admito, que só agora, aos 40 anos de idade, resolvi confessar meu ingrato amor.