ELOGIOS FALSOS (cont.)

ESTÓRIA 2 - NÃO LEU... E ELOGIOU - Verdade, ué! Não inventei, não aumentei. ----- Desde novinha, queria "aparecer". Complexada porque era nitidamente vesga, fazia caras e bocas sem conseguir explicar, convencer que o olho não "era" torto. Cresceu ridiculamente alterando o traje de caipira nas festas escolares, colar de azeitonas verdadeiras, figa e bananas de Carmem Miranda ou saiote havaiano de tiras de papel celofane sobre a saia de chita colorida... e tantas gracinhas a levavam a ser o centro das atenções, mesmo negativas. ----- Ainda no segundo grau (nomenclatura antga: hoje ensino médio), uma professora ironicamente elogiou uma redação qualquer (a melhor num grupo de muito ruins) e ELA coincidentemente participava do teatro amador do colégio. Figurante quase muda. Alguém ironizou mais ainda e sugeriu que passasse a escrever textos teatrais. Tentou. Textos estranhos. Limitou-se a poemas. ----- Tudo simultâeo. Descobriu uma gráfica que produzia pequenos livretos de novos autores. Dois preços (como tudo na vida...) - um para livro único, autor individual, outro para variados criadores e estilos, ambos 'magrelinhos' de poucas páginas. Utilidade pública de pai é ser iludido (não premiado doutor famoso cultíssimo como o pai do CBH)... e pagar. Assim, o gráfico a instruiu para pedir a um famoso qualquer que escrevesse o prefácio "publicitário" de algumas linhas (é: não deixa de ser atração para o comprador...) - ela nem sabia o que era. Citou nomes de jornalistas e radialistas "headhunters" que gostam de colaborar com gente nova - gratificações até 'ingênuas', qualquer cerveja ou maço de cigarros, não vinho francês nem charuto cubano. "Prefácio?!" Viu depois no dicionário. ----- Tempo de vestibular, não aprovada para artes cênicas ou lá longe na lista de classificação........ ----- Dirigiu-se ao acaso a uma emissora de rádio. Ônibus parou perto. Duas emissoras na região, decidiu-se ao acaso. Na mão, alguns poemas mal datilografados (estou narrando um fato antigo) e grampeados. Foi por sorte atendida por um 'famoso', jornalista-roteirista-produtor-diretor; procuradíssimo, já vivia encanetado... Escutou o pedido, olhou a fulana vesguinha, segurou as talvez vinte folhas-ofício (moderna, a linguagem A4), numeradas, abriu e fechou o volume numa fração de segundo, nem percebeu que ela usara intencionalmente três cores de fita de máquina de escrever - preto, vermelho e verde (razoável aspecto, porém com muitos erros a partir do universal a-s-d-f-g, letras iniciais no teclado). Ah, sim, mais ou menos assim: "Apresento ao público uma talentosíssima /à imitação de José Dias, personagem de MACHADO, superlativista/ jovem......." - infinito blá blá blá de qualificativos enfeitadores. Prefácio igual em centenas de livros. Conversa no bar da emissora, cafezinho, alguém passou e em tom de brincadeira o chamou de professor. E era. Um dos administradores do curso de artes cênicas, em outro bairro, o do Pão de Açúcar. Fácil para mulher fazer cara de borboleta triste. Outro sonho era ser artista de televisão (ainda não havia a escola-degrau "Malhação"). Jeitinho brasileiro, ele rascunhou um recado que a matriculassem na faculdade, "...brilhante vocação..." - mais blá blá blá. Conseguiu a vaga, mas depois percebeu a des-vocação, trancou matrícula, saiu, voltou, saiu....... desistiu. A mãe inventava ela ter filmado numa praia em Niterói, filme em Brasília, fila de censura e liberação. ----- Voltemos ao livro. Prefácio, índice com os títulos dos poemas em ordem alfabética (grande invenção fenícia), desconexo cacho de uvas verdes na capa. Vinte exemplares apenas. Gráfico marcou a data do coquetel de lançamento coletivo dos livros. Coquetel? Um lanche, isto sim. Não convidassem muita gente. Cada família levaria um bolo seco (fatiado, cobertura-recheio zero) ou sanduíches rápidos-frios (patê e pão de forma). Refrigerante gelado, oferta da casa. Esta foi a tarde de autógrafos, mini fila de pessoas ante cada autor. ----- Entre a parentada, ela espalhou boatos fantasiosos: "Em todas (todas) as livrarias..." - todas é muita coisa. "Como é o nome do livro?" "Quanto custa?" Ela exagerando: "Segunda edição (já?)..." Tentar iludir um grupão, a primalhada toda, por mera vaidade exibitória? Pai furioso, sem retorno financeiro algum. ----- Tenho AMIGA carioca, astuciosa Geminiana, que não perdoa idiotices. Ensaiou um colega de trabalho com um pequeno texto oral. Ligou para a casa da tal prima de terceiro grau. O rapaz "identificou-se" como amigo de um amigo dela e a conhecera quando... /vacilou entre botequim pé-sujo ou padaria da esquina - macho, decidiu-se por botequim e cerveja.../, ela saiu do colégio, parou, foram apresentados e conversaram por longos minutos, a convencidinha falando sobre os poemas que um dia reuniria em livro. Ele se descreveu principesco: altão, louro, olhos azuis (talvez PAUL NEWMAN fosse o galã nas telas, naquela semana), filho de nórdicos católicos (o ator assumidamente filho de pai judeu, bem sucedido comerciante de artigos esportivos). Cena inventada, porém ela "lembrou" - impossível descartar um fã. Preço do livro? Um (1)... cruzeiro, real, sei lá... Preço insignificante, quase simbólico, o mínimo dos mínimos. Ele prometeu comprar. ----- Aí, ela casou, teve uma filha, largara a faculdade pela "incompreensão" dos professores, sonho transferido para a descendente. Nesse meio tempo, a irmã - pouco mais velha e nada fictícia - também casou. A ex-poetisa e a menina bem pequena apareceram vestidas como um espelho de parque de diversões que diminui figuras, ou seja, trajes iguaizinhos em modelo, tecido e cor. Chapéu róseo, clarinho, flores miúdas... Igreja cheia, todo mundo em riso contagioso, entre tapas e beijos, digo, tapinhas no ombro do vizinho de banco para mostrá-las e beijinhos atirados pelo ar. "Chapéus vieram de Paris (errou a geografia), da Corte do Azul..." ----- Ah! Enganar ou tentar enganar os imaginados trouxas nem sempre é fácil. A fiscalização afastara as barracas da mais populosa rua comercial do bairro. Na porta da Igreja de Bom Jesus, bairro da Penha, uma barraca de camelô exibia os mesmíssimos chapéus, possíveis de serem adquiridos por preço baixo na Saara (RJ) ou na rua 25 de Março (SP).

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E o elogiado livro? Assunto praticamente morto.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 02/07/2018
Código do texto: T6379858
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