Bipartição

Espirrou na mão. Duas vezes. Os respingos grossos estatelados na mão em constelações. Grandes astros e planetas formados pelas explosões sequenciais cada qual em seu próprio centro de gravidade ou rodopiando ao redor de outros corpos. Uma imundície. Guardou os germes, bactérias e vírus sobre a coxa com os dedos meio fechados.

O caminho foi longo. O sacolejar do transporte público dava impressão de que a estrutura poderia desabar a qualquer momento. Dava pra ouvir o tilintar de cada parafuso meio solto, e os bancos sacolejarem e as janelas vibrarem. No fundo, no fundo, nossa cabeça balança em sintonia com cada janela, banco, parafusos. Um concerto maltrapilho capaz de causar acidentes vasculares. Chega dói. Inda mais quando por descuido a física corrobora pra que a cabeça se choque contra o vidro ou outra cabeça ao nosso lado.

Calmaí. Vai descer. Levantou e deu sinal. A mão suja agarrou com firmeza o ferro quase congelado e se arrastou por todo caminho até a porta com dificuldade. Esfregou-se em um, noutro, talvez até tenha limpado o resquício no casaco de alguém. Agradeceu ao motorista, a voz uma baba como quando os lábios não se desgrudam direito pelo excesso de saliva. Quase grunhiu, na verdade. O sobrolho leve arqueado com felicidade. Um sorriso estampado no rosto, quase inocente; e juraria até a morte não ter cometido algum atentado ou intuído começar uma epidemia.

Desceu, acometida de felicidade indiscreta e despreocupada. As mãos limpas. Um lindo dia de sol.

Então é assim que se reproduzem.

A H
Enviado por A H em 30/06/2018
Reeditado em 30/06/2018
Código do texto: T6377664
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