1053-TIA ELVIRA - Memórias do autor

Minhas lembranças e recordações de tia Elvira me levam à minha meninice, e sempre têm como paisagem de fundo a chacrinha onde ela e tio Alpineu viveram durante muitos anos.

As tardes de domingo que passávamos lá, com papai, mamãe, os outros tios e tias, e os primos e primas, eram verdadeiras tardes de aventuras e total liberdade.

Tia Elvira não se cansava nunca com o trabalho que dava a presença de tanta gente. No sábado já havia forneado muitas quitandas, todas na base o fubá, produzido pelo moinho construído pelo avô Aníbal. Assim que a gente chegava, ela chamava o Zé Pina (nosso primo distante, que morava também na chacrinha) e ordenava:

— Zé Pina, pega um saco no paiol e vai catar umas laranjas. Só as maduras, presta atenção.

Ou cortar cachos de bananas, ou mexericas, mangas, limas. Quando as jabuticabas estavam maduras, então todos iam para a sombra das frondosas jabuticabeiras e a garotada se encarregava de colher para os adultos, que ficavam dando ordens:

— Esta aqui tá mais carregada!

— Aquele pé tá mais adiantado.

Enquanto isso TIA Elvira arrumava a mesa para o café da tarde: Café passado na hora, leite, pães e quitandas. Fazia tudo de fubá, que era obtido ali na chacrinha, no pequeno e eficiente moinho à beira do riacho que cortava a propriedade. Pães, roscas, broas e bolachas e o famoso “pau-a-pique”, cuja particularidade era o uso de folhas de bananeiras para assar no forno de barro e tijolos.

Incansável, sempre de bom humor, ela servia a todos e não se sentava à mesa.

Além de manter a casa num primor de limpeza (e olha que é muito difícil manter limpa uma casa de roça), fazia as roupas para os filhos, para o marido para ela mesma. Cuidava da alimentação das galinhas e dos porcos.

Zé Pina a ajuda muito, mas ele tinha de ser sempre “estimulado”, pois não conseguia sair para fazer uma sequencia de serviços, que se embananava todo. Então, tia Elvira tinha de mandá-lo fazer um serviço de cada vez. Então se revelava a paciência e o amor com que tratava a todos em seu redor.

Tio Alpineu e Tia Elvira mantinham uma criação de porcos com muitas cabeças, que viviam num regime de semi-liberdade numa parte da chácara que era uma enorme voçoroca (nós dizíamos “buracão"). A alimentação da porcada era feita de um cozido de restos de verduras, abóboras, a “barrigada” de bois e vacas abatidos no Matadouro Municipal, que distava da chácara uns quatro ou cinco quilômetros. Um tacho enorme estava constantemente cozinhando aquela gororoba, que uma vez ao dia era misturada com farelo e servida aos porcos. Era tia Elvira quem devia orientar o Zé Pina e os filhos maiores, para esse trabalho bem puxado.

Na época das goiabas maduras, fazia taxadas e mais taxadas de goiabada, para a família comer durante o ano. Tudo quase sozinha, pois a ajuda de Zé Pina, e dos filhos maior, consistia em pegar as goiabas maduras nos pés que cresciam quase que selvagem nos pastos.

Pois mesmo tendo essa trabalheira sem fim, Quando o casal mudou para a cidade, ela costuma dizer que tinha saudades da trabalheira da chacrinha.

Morando na cidade (São Sebastião do Paraíso), sua cortesia, compaixão pelos pobres e necessitados continuou: ela então passou a levar pães e lanches para os presos na cadeia publica local.

Tia Elvira e Tio Alpineu mudaram-se para Belo Horizonte e foram morar em uma pequena “chácara” no Bairro Santa Amélia, com as filhas Dirce e Maria José. Com pomar e pequena área onde puderam fazer canteiro e plantar hortaliças, como se estivessem de volta ao passado.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 28.04.2018.

Conto # 1053 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/06/2018
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