1052-O SUMIÇO DE LADINHO - policial/social

O SUMIÇO DE LADINHO

Vladimir era um viado, que viveu no tempo em que viado era chamado de viado, sem nenhum preconceito nem essas frescuras atuais de “politicamente incorreto”.

Era um desses viados chatos, que fazem por aparecer com sua viadagem onde surgem. Vestia-se e comportava-se de maneira a escandalizar a gente de Vento Leve. Trejeitos afeminados, cabelos longos que ele balançava pra lá e pra cá, como uma beldade da TV ou do cinema.

Apelidado de Ladinho, era apenas tolerado pelos conhecidos e amigos. Contudo, havia quem gostava dele. Principalmente um grupo de moças que se tinham como “emancipadas” que aceitavam sua presença com alegria exagerada..

Florista, trabalhava na loja Jardim em Casa; no que era bom, pois fazia arranjos como ninguém, principalmente para as coroas funéreas.

Sua viadagem aumentava sempre. Inventava novidades, as roupas cada vez mais pendendo para o feminino, calçados ultramodernos, e uma variação de penteados com sua cabeleira negra que impressionava quem não o conhecia.

Uma tarde, estando nas proximidades da Estação Rodoviária e necessitando ir ao banheiro, resolveu entrar no setor reservado às mulheres. Estava já de saída, apenas dando uns retoques na cabeleira, nos cílios e sobrancelhas, quando foi surpreendido pela chegada de três mulheres.

A surpresa foi mútua mas ele, sempre melífluo, foi se dirigindo para a saída do WC:

— Oi, meninas! Já estou de saída. Com licença.

E tentou passar entre as três. Ou porque já conhecessem o viado, ou porque se sentiram muito ultrajadas, fecharam a passarem, impedido a saída de Ladinho. Mulheres encorpadas e fortes, altas. E decididas.

— Safado! Onde pensa que está? — disse uma.

— Conheço ele: é o Ladinho. – disse outra.

Ladinho tinha estatura média, corpo esguio e tentou a saída estratégica para essas ocasiões: fugir, passando à força entre as três, no que foi impedido por aquela que nada havia dito. A silenciosa passou uma rasteira no viado, que se estatelou no chão.

— Ai, sua disgraçada! Você vai ver uma coisa. Vou te matar, infeliz.

Levantando-se, foi agarrado pela primeira dama, que o subjugou; em seguida as outras duas também o seguraram pelo outro braço.

— Vou chamar a policia! Três contra um é covardia! Ai! Ai! Está quebrando meu pulso.

— Num precisa chamar não, o guarda já tá chegando.

Algumas pessoas já tinham formado um grupo defronte a porta de entrada o WC feminino, atraídas pela confusão. E um guarda da Estação Rodoviária se aproximou a passos largos.

— Mas o que tá acontecendo aqui? Parem de brigar!

As três mulheres apertaram ainda mais os braços do viado.

— Este cara aqui estava no banheiro das senhoras. — disse uma delas.

— Bom, bom, não é motivo prá tanto escarcéu. Ele é mesmo um viado.

— Viado é a mãe! — gritou Ladinho para o guarda.

— Epa! Olha o desacato! É bom ficar calado aí. Todo mundo te conhece. Não é segredo prá ninguém que você é um viado muito enjoado.

— Elas me agrediram. Olha o corte aqui no queixo. — E mostrou um ferimento no queixo, de onde saia um filete de sangue.

— Nós só seguramos ele...

— Mentira! Essa aí me passou uma rasteira! Acho que quebrei o queixo.

— Tá bom, tá bom. — O guarda pretendia apaziguar todos. — Vamos fazer o seguinte: você já recebeu o que merecia por entrar nos banheiros das mulheres. Afinal, você nem é mesmo homem. As mulheres o liberam e você presta atenção para não entrar mais no sanitário das mulheres.

— Elas me agrediram. O senhor me chamou de viado! Agora quero dar queixa ao delegado.

— Ah! É? Pois então vamos lá. Todo mundo prá delegacia.

******

Quinze minutos depois, na delegacia. O delegado ouviu com paciência o ocorrido. Já tinha um olho no Ladinho, mas nunca tivera um pretexto para enquadrá-lo. Agora, com a queixa das três mulheres, a coisa mudava de figura.

— Olha aqui, a queixa foi feita, está tudo registrado. Vamos resolver com duas palavras, que o caso não merece mais do que isto.

Olhando com um olhar de deboche para Ladinho, perguntou:

— Seu Vladimir, o senhor tem pinto, não tem?

Surpresa geral, tanto por parte das mulheres quanto por parte do Ladinho, que respondeu confuso:

— Tenho sim, seu delegado.

— Se tem pinto, é homem. E homem no banheiro feminino é infração do regulamento.

— Mas, seu delegado...

— Não tem mas nem meio mas. — Disse o delegado, virando-se para o cabo que estava ao lado de Ladinho:

— Cabo, recolhe ele por vinte quatro horas na cela dos homens. Lá ele vai ter boa companhia para passar a noite. Vai ver o que acontece com homens de verdade. E quanto às senhoras, acho que estão satisfeitas. Todo mundo dispensado.

*****

No dia seguinte, depois que foi solto, Ladinho sumiu da cidade onde nunca mais foi visto.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 23 de abril de 2018

Conto # 1052 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/06/2018
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