A canção e o amor!
Nas velhas lembranças daquela cidade nordestina, um lugar nem pequeno nem grande, em se tratando do interior de Pernambuco, Carlos Augusto, tão solitário no momento, chega até a adolescência, onde viveu um romance forte com uma mulher bem mais velha do que ele :quarenta e quatro anos, ela ;ele ,dezesseis. E essa, pouco convencional, história de amor, aconteceu nos anos 70 do século passado. Aquela mulher que mergulhava sem nenhuma amargura na maturação da vida, era sua professora de Francês em um colégio público bastante organizado e que funcionava a contento, atendendo aos alunos de origem humilde daquele município, e que tinha como diretor um homem metódico , conservador , e este primava pela boa educação e um comportamento que atendesse os requisitos de um nível razoável de civilidade. E esse diretor , obviamente, passava ensinamentos cívicos e ressaltava a importância dos valores familiares em um tempo onde prevalecia uma quase imposição para a preservação de costumes antigos.
Neusa( o nome da professora)era uma mulher de um sorriso bonito, um pouco baixa e forte. Costumava usar blusas de cores escuras e calças compridas bem coladas ao seu corpo de fêmea atraente; cuidava bem dos cabelos , possuía uma cabeleira volumosa, levemente ondulada. Gostava de exibir joias, as vezes, bijuterias, mas era inconteste o seu compromisso com o bom gosto. Ao caminhar ,demostrava uma elegância que não era muito comum naquela localidade de pessoas de hábitos simples. Ou seja: passos firmes, a cabeça sempre erguida ,gestos contidos; cumprimentava amigos, conhecidos e estranhos. Era separada do marido, e tinha apenas um filho, ainda muito jovem, mas já havia casado e morava distante dela. E ela ficara sozinha em um pequeno e aconchegante apartamento de um prédio antigo no centro da cidade.
Professora Neusa, na sala de aula, era um exemplo de mestra competente; andava em meios aos alunos , e muito atenciosa e segura nas suas explicações, e sua fluência na língua francesa era o resultado de várias estadas que ela teve naquele país daquela língua delicada e tão pertinente aos intelectuais e aos amantes. E os meninos vibravam (discretamente) quando a professora Neusa estava escrevendo ou apagando o quadro. E Carlos Augusto percebia que ela olhava-o de um jeito diferente, as vezes ria com malícia para ele; e já aconteceu, dela, por trás dele, esfregar-se no seu braço direito- que ele costumava colocá-lo sobre o texto da cadeira- de forma sexualmente excitante. Não perdeu tempo Carlos Augusto , pediu-lhe que traduzisse para ele, a letra da canção francesa “F... Comme Femme”, que ele havia escutado na rádio local em um programa romântico onde falava de amores que são capazes de desmanchar a malha da racionalidade e escancarar-se para a loucura da vida. Professora Neusa percebeu a intenção verdadeira daquele garoto ousado e não pensou duas vezes, pediu- lhe para ir até o seu apartamento na noite do dia seguinte, e ele assim o fez.
Carlos Augusto chegou cedo, passavam poucos minutos das sete horas, e Professora Neusa disse-lhe que não ia dar aula naquela noite e poderiam demorar mais ali; e sentado no sofá da sala, assistindo televisão, ele aguardava ansioso; enquanto ela, na outra sala, corregia provas. E por volta das 9.00 h, ela saiu da sala, foi ao quarto e voltou de camisola com a letra da música a mão, e olhando para Carlos Augusto com o semblante um pouco triste , começou a ler a letra daquela canção na língua portuguesa: “Ela desabrochou numa bela manhã ,no jardim triste de meu coração/Trazia os olhos do destino, assemelhava-se a minha felicidade? Oh, ela se parecia com minha alma? Eu a colhi, ela era mulher/ Femme como "F" rosa, como flor.
Baixando o olhar e fixando-se ainda mais naquela leitura sensível, professora Neusa continuou a tradução: “Ela transformou meu universo/Encantou toda a minha vida/A poesia cantava no ar/Eu tinha uma casa de bonecas. E em meu coração ardia minha chama/Tudo era belo, tudo era mulher," Femme" com um "F" mágico, "F" de fada”. Professora Neusa parecia querer desvencilhasse daquela pálida tristeza, que naquele momento não poderia ser bem vinda, e ergue a cabeça, mas não estava conseguindo, e continuava lendo e olhando para Carlos Augusto que permanecia sentado no sofá : “ Ela encantava-me cem vezes por dia/Com o doce arrimo de sua ternura. Minhas cadeias estavam trançadas pelo amor, eu era mártir de suas carícias. Eu era feliz... e Seria eu um infame? Mas eu a amava, ela era mulher.”
Professora Neusa livra-se daquela doce melancolia e é tomada por um sentimento novo que lhe trazia a ânsia por um desejo ardente ,inadiável. Mas sente-se meio constrangida e dar as costas a Carlos Augusto. Caminha pela sala e um pouco afastada de seu provável jovem amante, continua lendo: “Um dia, o pássaro tímido e débil/Veio falar-me de liberdade. Ela arrancou-lhe as asas/O pássaro morreu com o verão. Naquele dia fez-se o drama e, apesar de tudo, ela era mulher/ Femme com um "F" todo cinzento, de fatalidade”.
.
E na última estrofe daquela canção, professora Neusa aproxima-se novamente de Carlos Augusto e faz a leitura com a voz envolvente e terna: “Na hora da verdade/Havia uma mulher e uma criança / Aquele menino em que eu me convertera/Contra a vida, contra o tempo. Estou encolhido dentro de minha alma e compreendi que ela era mulher/ Mas uma mulher com "F" alado de "foi-se embora" .E terminada a tradução , professora Neusa, sem dizer mais uma palavra , vai até a estante ,pega um disco de vinil e o coloca na radiola, é a tal canção. Professora Neusa, calmamente , reaproxima-se de Carlos Augusto ,e com uma discrição de mulher madura, pega na mão dele. Ele se levanta do sofá, lentamente; e ela permanece calada , e leva-o para o quarto.
E a canção toca; e na cama, professora Neusa, despia-se de todas as suas roupagens-que se dane o juízo do mundo-pensava assim. E continuava a dar lições àquele garoto. Era uma paixão repentina, embora os interesses mútuos tivessem amadurecidos, pouco a pouco. E nasceu um grande amor!. E dali em diante foram tantos outros encontros com a mesma intensidade do primeiro. Como era admirável, provocante, prazeroso, Carlos Augusto vê circulando pelas dependências daquele apartamento com pouco espaço, uma mulher com um corpo exuberante, usando apenas um babydool curtíssimo; e sem pudor , ela deixava-o ver a sua calcinha, que de tão pequena ,não era capaz de cobrir-lhe sua parte intima anterior; e que é tão vislumbrada pela maioria dos homens , e até dizem, utilizando uma doce ironia, que é um rico apetrecho da alma feminina.
E uma certa noite, na cama, professora Neusa revelou a Carlos Augusto, um segredo seu que lhe caiu como uma preguiça indesejada naquele rapaz apaixonado: havia outro amante na vida dela. E ao ver a foto daquele garoto, provavelmente da sua mesma idade, e que Carlos Augusto achava-o que estava invadindo de forma injusta a sua felicidade juvenil, ele desabou na cama. O garoto, para Carlos Augusto( um intruso) era muito bonito. Ele estudava no colégio particular. Um colégio de freira. E também era aluno da professora Neusa. Esse colégio possuía métodos rígidos, regras severas; os alunos que o frequentavam pertenciam as famílias abastadas. A primeira reação de Carlos Augusto foi ser dominado por uma grave decepção, ficou com raiva; era ciúme, sentia-se inferior àquele garoto da fotografia que estava a sua frente; achava-o superior em tudo: era bonito, mais forte do que ele, pertencia a uma classe social privilegiada. Porém, a professora Neusa, ignorando os complexos de Carlos Augusto, abraçava-o com força ,quase partindo o corpo frágil de menino ainda, mas que diante dela ,acostumou-se a esforçar-se para mostrar-se, o mais másculo e poderoso dos homens; e professora Neusa ali, convida-o ao amor , Carlos Augusto não resistiu, e ela conseguia embevecesse de um orgasmo desafiador primeiro do que ele.
E na sala de aula daquela manhã quente de verão nordestino ,professora Neusa chamou a atenção dos seus alunos, dizendo -lhes que tinha uma notícia um pouco chata para dar-lhes. Professora Neusa fora convidada por um colégio de São Paulo para lecionar lá. E aconteceu um rebuliço ali. Houve choro. Carlos Augusto estava sem saber o que fizesse. Era um mal estar que ele sentia, a respiração diminuída, o seu corpo tremia. E todos os alunos foram se despedir da sua charmosa e encantadora professora de francês; e eram abraços, beijos e muitas lágrimas. E Carlos Augusto foi o último aluno a cumprimentá-la, e mesmo naquele estado, ele esforçava-se para não demonstrar que entre os dois não havia algo mais do que uma relação de professora e aluno. E ele abraçou a sua professora e lhe disse que ia ficar com muita saudade .Professora Neusa, muita segura, enquanto o abraçava, disse-lhe baixinho ao seu ouvido: “Vá na minha casa, hoje à noite”.
Naquela noite , dançaram e beberam vinho ao som daquela canção francesa. Aquela canção romântica que participou ativamente, como se fosse um ser vivo, da iniciação daquele encontro; um amor que parecia romper com os preceitos sociais e também apresentava argumentos-mesmo fantasiosos- para vencer a inexorabilidade do tempo. Foram para a cama quando já era madrugada, e depois do amor, adormeceram. Acordaram-se com o toque do despertador. Professora Neusa parecia disposta ,mas era aparente que ia levar consigo uma grande saudade; no entanto, já preparava as malas para a viagem, e cantava:
“Elle est éclose un beau matin/Au jardin triste de mon cœur/Elle avait les yeux du destin/Ressemblait-elle à mon bonheur ?Oh, ressemblait-elle à mon âme ?Je l'ai cueillie, elle était femme/Femme avec un F rose, F comme fleur”.
E despediram-se ali mesmo , como dois namorados antigos e um pouco encabulados com os desencontros da vida..
E Carlos Augusto, ao chegar em sua casa, encontrou a sua mãe em desespero, passara a noite em claro; era a primeira vez que Carlos Augusto dormira fora sem lhe avisar. E ele tentou explicar-lhe que dormiu na casa de um amiguinho do colégio, após fazer um trabalho escolar muito entediante e enfadonho. Sua mãe lhe deu uma bronca daquelas; e Carlos Augusto de cabeça baixa, porém, muito satisfeito, lembrava-se do sacrifício daquela outra mulher madura, que estava indo para uma distância tão inoportuna; também vinha-lhe à cabeça aquela bela canção de amor.
(Fim)
T