CABEÇA QUE NÃO TEM JUIZO...

Embora considerado idoso, já a caminho dos meus 62 anos, neste ano de 2018, mantenho o propósito da constância de atividades físicas. Mais especificamente, corrida e ciclismo.

Ciente disso, um estudante, em estágio em minha área de trabalho, na irreverência própria de alguns, em sua faixa etária, resolveu lançar o desafio de me superar em uma corrida.

Por mais que eu tentasse demovê-lo dessa ideia, ele não aquiesceu, renovando, diuturnamente, o seu propósito. Dessa forma, definimos uma data para o “duelo aeróbico”.

No dia e horário marcados, conforme pactuado, daríamos uma volta em um circuito menor, imprimindo um ritmo mais lento, a título de aquecimento.

Iniciada essa volta, passados alguns minutos, em que pese o alto volume advindo dos fones de ouvido que ele usava, eu percebia uma respiração ofegante e, de certa forma, oprimida. Faltando uns 800 metros para o final da volta de aquecimento, o jovem perguntou-me se já estava chegando, ao que respondi que não. Transcorridos mais uns trezentos metros, novamente a pergunta e a mesma resposta lhe fora dada por mim. "E agora, está chegando?" Indagou-me o jovem, afoito. Mais uns cem metros, respondi-lhe.

Quando, para o seu alívio, chegamos ao ponto em que iniciamos, exausto, o jovem agachou sobre os calcanhares, recostado em um poste de iluminação, procurando alívio para os incômodos sintomas que vinha sentindo.

Após alguns minutos de descanso, um pouco mais aliviado, indagou-me se não havia água para beber, porque estava com a garganta seca. Mostrei-lhe onde poderia se hidratar e aguardei o seu retorno. Momento em que perguntei a ele, se já poderíamos dar início à corrida, ao que me respondeu que precisava ingerir um pouco mais de água.

Enfim, estávamos aptos a iniciar a “disputa”.

O curioso e apreensivo jovem, perguntou-me: nós vamos no mesmo ritmo? Não, agora cada um vai no seu ritmo. Agora é que vem o desafio, respondi-lhe. Pronto? Indaguei. "Sim, respondeu-me." Disse-lhe, então, que ele podia sair, que eu iria em seguida. Cronômetro devidamente acionado, parti, impondo-me um ritmo forte, porém em uma cadência apropriada para vencer o percurso proposto.

A pouco mais de cem metros, eu o ultrapassei, em velocidade muito superior à dele, que, por sua vez, esboçou reação imediata.

"Não pode ser! Ele está de graça, não vai aguentar esse ritmo por muito tempo. Vou tentar chegar nele." Assim pensou e assim agiu.

Mantendo o meu ritmo forte, ouvia, cada vez mais distante, o plac, plac, de suas passadas sofridas, na vã tentativa de me alcançar.

Tendo mantido essa atitude insana, passou a perceber o seu coração maior que sua caixa torácica, os seus rins acusavam pontadas, como que sendo apunhalados, sua cabeça fervia e a sua respiração, extremamente ofegante, mais parecia a de alguém em forte crise asmática.

Mais ou menos seiscentos metros do início da empreitada, não teve jeito: o seu Sistema entrou em colapso e o jovem desafiante desabou. Desabou de forma tão drástica, que os seus tênis cravaram marcas sobre o gramado que o acolheu em sua queda súbita. E ali, estirado, desnorteado e exausto, ficou por alguns instantes, temendo até por perder a vida.

Espero que o afoito e incauto estagiário, tenha aprendido a lição, a qual ficará indelével em suas lembranças e internalize que, para tudo o que nos propusermos a fazer, há que se ter a devida preparação e que uma grande escalada se faz passo a passo.

Rafael Arcângelo Machado – 13 de junho de 2018.