A voz

Pedro era um maltrapilho ambulante e andava perdido pelas ruas de São Paulo. Sem estudo, sem trabalho ele vagava a procura de bicos. Era meio pedreiro, meio pintor, meio nada. Sua cabeça era vazia e quando ela se enchia de cobranças e culpas, ele recorria a pinga, sua única e fiel companheira, ele dizia. Havia deixado mulher e filhos no estado do Acre e nunca mais soube deles. Já havia sido preso por suspeita de roubo, mas tiveram que soltá-lo por falta de provas. Certa vez, ele tirava uma soneca deitado debaixo de um pontilhão na “23 de maio” e acordou com uma voz que lhe chamava:

– Pedro! Pedro!

– Quem? O que é? – Ele perguntou assustado.

– Vim para ajudá-lo a sair desta vida! Vou te fazer rico! Você foi escolhido!

– O que devo fazer? O que quer de mim? – Ele indagava maravilhado.

– Saia daí agora, procure por uma nota de dinheiro que foi perdida na escadaria da Praça do Patriarca e aposte nos números que eu vou te indicar.

A voz sumiu e ele passou o dia todo procurando a tal nota perdida, até que a achou. Conforme a voz havia lhe determinado, no final da tarde, ele procurou por uma casa lotérica e esperou que a voz lhe aparecesse.

– Voz apareça! Voz apareça! Onde você esta? – Ele começou a ficar ansioso, a falar alto e a freguesia pensando que se tratava de um louco, ficou assustada.

– Por favor! Faça seu jogo em silencio! – Retrucou o atendente da lotérica.

Pedro pegou da papeleta de apostas e quando ia começar a grifar os números aleatoriamente, a voz surgiu novamente:

– Número um…, quatro…, trinta e dois.. – E assim foi ele seguindo a voz e grifando os números até concluir a aposta. Pagou com a nota que encontrou na escadaria e ainda comprou pão, mortadela, café e um litro de pinga. Esperançoso, ele retornou para debaixo do pontilhão e resolveu morar ali. Talvez, a voz também morasse ali, ele pensou. E assim passaram-se os dias e o resultado da loteria finalmente saiu e Pedro fora o único ganhador de 30 milhões de reais. A partir daquele dia ele seria rico, milionário. Ele até apareceu na TV, no jornal, na revista e tornou-se noticia: “Morador de rua fica milionário!”. Sua esposa, seus dois filhos e mais dois que a mulher havia arrumado não demoraram muito para aparecer e ele montou um apartamento para ela, para as crianças e os sustentava. Agora rico, ele conheceu Adriana, uma prostituta de luxo e comprou até uma fazenda para a moça. Ela fazia dele gato e sapato, o traia com o amante e gastava todo o dinheiro em viagens. Assim que a riqueza de Pedro deu sinais de que estava terminando, Pedro começou a clamar pela voz e até dormiu debaixo do pontilhão para tentar encontra-la.

– Voz! Apareça voz!Voz! Voooooz! Apareçaaaaa! Não me deixe! – Ele gritou e suplicou pela tal voz a tarde inteira e já cansado adormeceu.

Quando acordou, lavou o rosto e enquanto se olhava no espelho, a voz apareceu.

– Boa tarde Pedro! – Cumprimentou-o polidamente.

– Boa tarde! – Voz? É você? Por que demorou tanto para aparecer?

– Tenho muitas almas para enriquecer! Vim logo que pude! Por que me chamaste?

– Quero ser rico novamente! Meu dinheiro esta acabando!Estou desesperado! – Choramingou Pedro.

– Desta vez, você terá que vender tudo o que tem e comprar uma passagem ida e volta para Las Vegas! Quando estiver dentro do cassino, procure pela alta roleta. Leve todo o dinheiro que tem! Lembre-se bem, todo o dinheiro! Eu te indicarei os números certos para você apostar!

Pedro fez tudo conforme as instruções da voz, vendeu tudo o que podia vender o que estava no seu nome e partiu para “Vegas”. Chegando lá, trocou todo o dinheiro que possuía e foi sentar-se na alta roleta. Foi convidado a apostar e a voz começou a dirigir suas apostas. Ele iniciou ganhando pouco, depois o dobro e o dobro. Nesse momento, ele já estava rico e mesmo assim, a voz lhe incitava a jogar e a ganhar mais e mais.

– Agora aposte tudo no vermelho 36! – Lhe ordenou a voz.

Pedro obedeceu sem pestanejar e seu coração parecia que iria sair pela boca. Ele estava vermelho como pimentão e seus olhos só enxergavam o número vermelho 36 que rodava e rodava, até que parou.

É agora! – Gritou Pedro.

A bolinha pulando e saltitando por entre os números, passou pelo 36 e foi parar no preto 11. Neste momento, Pedro  desmaiou,foi socorrido e sofreu um começo de infarto. Passado alguns dias, lá estava ele novamente vagando pelas ruas de São Paulo com uma garrafa de pinga na mão, pobre e decepcionado. Havia perdido tudo. Sua amante e sua mulher o desprezaram e ele voltou a morar debaixo do pontilhão. Pedro chamava todas as noites pela tal voz que o engrandecera tanto e o destruíra num só dia.

– Voz! Me apareça pela última vez! Só mais uma vezinha! Não quero te pedir mais nada! Só conversar! Voz Apareça! Fale comigo! Por favor! Quero saber! Quem é você? Por que fez isto comigo? Apareça! Sua covarde! Desgraçada! Mentirosa! Traidora! Apareça!

– Estou aqui! – Disse-lhe a voz – Tenho estado ocupado ultimamente, tenho almas para enriquecer!

– Afinal! Você me enriqueceu num dia e no outro me destruiu! O que é você? Como se chama? Qual o seu nome? - Indagou Pedro.

– Eu sou um espírito! - Lhe respondeu a voz.

– Um espírito? Que espírito? Qual é o teu nome?

– Eu sou o espírito de porco!(Baseado nas historinhas que papai contava)(Walter Sasso) (Autor do livro "Dobra Púrpura" - Amazon)