5 DIAS DE EUFORIA, 360 DIAS DE AGONIA - Capítulo 1

O despertador tocava suavemente e eu estava enrolado em lençóis de seda repousando em um colchão de luxo extremamente macio e confortável. Então, tudo isso me fez virar para o outro lado e cochilar mais algum tempo. Depois de uma hora resolvi me levantar e ouvi o relógio da sala, um carrilhão inglês bater nove vezes. Apesar de eu estar um pouco cansado, estava feliz, porque haviam sido cinco noites e cinco dias de muita calma a tranquilidade. Apesar das festas que frequentei, estava tranquilo e relaxado, pois todas eram de alto nível. Foram noites inesquecíveis com lindas mulheres, amigos de fino trato, comida de primeira e bebidas importadas da melhor qualidade. Caminhei até o banheiro que eu havia reformado recentemente com mármore italiano e metais dourados. Tomei banho em minha ducha particular, fiz a barba com um creme alemão, borrifei meu perfume importado atrás das orelhas e no pescoço, vesti um terno de uma grife famosa e fui até a copa tomar um belo café da manhã. Bernadete, minha empregada já me esperava sorridente com a mesa posta e recheada de opções de pães, geleias, sucos e cereais. Ela me fez um delicioso ovo mexido e bolos de sabores diversos. Após o banquete, afaguei Lara, minha cachorra de raça Belga com nove anos de idade, peguei minha pasta de couro e saí pela porta da frente. Cheguei na garagem e fiquei em dúvida já que tenho quatro automóveis e eu não sabia qual deles deveria usar. Decidi usar o carro japonês porque eu havia usado ele apenas cinco ou seis vezes desde que ele havia sido entregue pela concessionária no ano passado. Entrei nele, e pude sentir o cheiro de couro novo. Dei a partida e ouvi um ronco limpo e potente. Acelerei e segui rumo a empresa. O trânsito estava espetacular, com ruas largas e sem buracos. Fluía tranquilo e sem congestionamentos. Cheguei até a empresa e fui recebido com um cumprimento do porteiro. Quando entrei no elevador cumprimentei todos e todos me cumprimentaram gentilmente. Entrei pela sala principal da empresa e todas as pessoas já estavam lá. Encontrei meu chefe e ele gentilmente elogiou o trabalho que eu havia concluído na última semana. Tomamos um café juntos e partimos para iniciar o trabalho daquela curta quarta-feira de cinzas. Passei a tarde toda fazendo contatos com clientes que gentilmente me atendiam e marcavam um horário para fecharmos negócio. Eu nem percebi o tempo passar e quando me dei conta já eram dezoito horas e trinta minutos. Já havia acabado o meu expediente e, mesmo assim, eu queria ficar mais, afinal o trabalho me dá prazer e a empresa merece o meu esforço, já que é uma empresa espetacular. Mas, eu não poderia ficar afinal estava cansado das cinco noites de glamour. Então, desliguei meu notebook, apaguei as luzes, fui até o estacionamento e peguei meu carro. Segui para a minha casa tranquilo ouvindo uma rádio FM que tocava musicas dos anos oitenta. Já era dezenove horas e vinte minutos e a música que tocava era Hotel Califórnia do Eagles. Cheguei bem tranquilo, guardei o carro, entrei em casa e fui afagar novamente Lara. Tomei um banho relaxante com sais de banho que minha irmã havia trazido do Himalaia. A casa estava limpa e perfumada. Bernadete havia cuidado de tudo! Inclusive de Lara que já alimentada e deitada tranquila em sua cama. É que a Lara tem uma cama de espuma, que é uma espécie de colchão todo acolchoado nas bordas e muito confortável. Encomendei o modelo de um tapeceiro famoso da região onde moro. Naquela noite decidi ficar em casa com a Lara, afinal eu já havia a deixado por cinco noites só. Então abri uma garrafa de vinho e resolvi jantar. Bernadete, a minha empregada, havia deixado um salmão grelhado com creme de maracujá preparados para a ocasião. O vinho e o salmão harmonizaram perfeitamente. Olhei a rótulo e vi que se tratada de um Bordeaux safra 2006. Simplesmente sensacional! Relaxei assistindo um filme e adormeci no sofá da sala. Acordei por volta dás vinte e duas horas, coloquei um pijama de seda, fiz minha higiene bucal e fui dormir ouvindo Áurio Corrá, um musicista brasileiro autor de canções fenomenais. Rapidamente eu adormeci feliz...

O despertador estridente toca sem parar e me dou conta de que acabo de acordar de um sonho. Decido virar para o outro lado da cama, escuto Lara latindo sem parar na janela do meu quarto. Olhei o relógio ainda com dificuldade de enxergar, já que o facho de luz que passa pela fresta da janela me cegava. Finalmente consegui enxergar as horas e dei um pulo desesperado da cama. Já eram onze horas da manhã e as doze horas eu teria que estar no trabalho para começar uma semana curta, afinal era quarta feira de cinzas e o carnaval havia terminado na noite anterior. Por falar em carnaval, eu aproveitei muito todas as noites e todos os dias. Bebi muito, comi muito churrasco, fiquei à toa, fiz muito barulho e brincadeiras com os amigos e me esqueci de todos os problemas sociais e econômicos que vivemos diariamente. Infelizmente, eles voltaram a existir! Acabou a brincadeira, acabou a festa, acabou a ilusão. Agora a realidade estava de volta, com toda a sua força, com todas as cobranças diárias que nosso povo vivencia. Até parecia que todas as mazelas, como que em um passe de mágica, haviam desaparecido para sempre naqueles dias de festa. Acho que é o “efeito ilusão”, que entorpece e nos tira a noção da realidade. Finalmente fui para o banheiro, escovei os dentes e percebi que a torneira pingava sem parar. Tomei outro banho e ao me enxugar, percebi que a torneira ainda pingava. Foi quando me lembrei de que eu havia me esquecido que deveria ter a consertado dias antes. Eu já havia tomado um banho na madrugada quando cheguei ás quatro horas da manhã, mas ainda assim eu me sentia um trapo! Cansado e desanimado eu iria comer alguma coisa e partir para o trabalho. Comi uma omelete que eu mesmo acabara de fazer. Dei comida e troquei a água de Lara e parti para o trabalho. Pensei na Bernadete enquanto dirigia meu carro 2006 e enfrentava o caótico trânsito da cidade. Ela é a faxineira que limpa uma vez por mês a edícula de 29 metros quadrados que alugo e divido com um amigo. O nome dele é Chang, um chinês que veio para o nosso país há um ano. Voltando ao assunto da Bernadete, achei estranho ela não ter aparecido na segunda-feira e comecei a acreditar que a veria somente na outra semana. Isto significava que eu teria muito trabalho doméstico no final de semana. Deixei os pensamentos caseiros de lado e segui até a sede da empresa onde trabalho como vendedor. Procurei por uma vaga para estacionar. Estacionei em uma vaga para deficientes e entrei pela porta principal da empresa, julgando estar atrasado. E eu estava! Eram doze horas e vinte minutos. Meus joelhos e minhas costas estavam doloridos e os meus pés inchados. Entrei e fui até a minha mesa e de lá pude ver que poucos colegas haviam chegado. Fui até a cozinha tomar um café e dei de cara com o meu chefe. Ele me cumprimentou com uma cara de mal humor. Respondi e tomamos um café juntos. Ao sair da cozinha fui para a minha mesa a fim de iniciar os contatos com os clientes que havia selecionado na última quinzena. A propósito, meu nome é José, sou solteiro, tenho 26 anos, divido as despesas de uma pequena edícula com um amigo, o Chang. Tenho uma cachorra chamada Lara, que é uma pastora Belga com 09 anos de idade. Meus pais moram em uma pequena cidade do interior do país e eu os vejo uma vez a cada quatro meses, já que é difícil e caro viajar para a casa deles com frequência. Trabalho em uma empresa de seguros para automóveis, caminhões, motos e residências. Vendo também seguros para empresas e para todo tipo de patrimônio. Voltando ao meu trabalho, decidi passar a tarde ligando para alguns possíveis clientes. Perda de tempo, já que não encontrei absolutamente ninguém. Então eu pensei porquê em plena quarta-feira de cinzas a empresa teria que funcionar? Só mesmo o meu chefe para abrir a empresa em uma data como esta! Percebi então que não havia mais jeito! Que os cinco dias de euforia haviam acabado e que os trezentos e sessenta dias de agonia estavam novamente começando...

(Primeiro capítulo do livro ''5 DIAS DE EUFORIA, 360 DIAS DE AGONIA."

Geraldo Cossalter
Enviado por Geraldo Cossalter em 30/05/2018
Reeditado em 31/05/2018
Código do texto: T6350993
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