1047-OUTRA HISTÓRIA DO COMEÇO DO MUNDO

Toda esta história aconteceu devido à solidão que, de repente, sem qualquer explicação plausível, invadiu o espírito de Sued. Até hoje muitos e muitos filósofos, teósofos e outros pensadores tentam descobrir porque o Mestre, que existira tanto tempo isolado e sozinho, de repente sentiu necessidade de companhia.

Oãda veio para quebrar a solidão de Sued. Cuidou com carinho, deu-lhe instrução, conhecimento, tentou passar um pouco da sabedoria que lhe era própria. Quando sentiu que Oãda estava adulto, procurou com ele uma companheira, que pudesse levar avante todas as qualidades que, orgulhosamente, Sued lhe havia incutido na mente virgem de qualquer outra influência.

Viajaram juntos por todos os lugares do planeta Arret mas em nenhuma parte Oãda encontrou algum ser que lhe satisfizesse.

— Temos um último lugar no qual tenho certeza você encontrará uma companhia digna e que lhe fará feliz. Um lugar maravilhoso, completo, e do qual você jamais pensará em sair, quando o conhecer.

— Que lugar é esse ?

— Venha, você verá e você mesmo vai dar nome a essas terras cobertas de matas, cheia de animais de todas as espécies que convivem pacificamente. Rios mansos formam lugares aprazíveis em suas margens. Um lugar maravilhoso.

Usando de suas habilidades, ensinadas a Oãda, elevou-se nos ares e dirigiu-se ao lugar tido com a maravilha das maravilhas. Oãda também se levitou e acompanhou Sued.

Lá de cima, Oãda viu o local e sentiu uma aura de paz, de harmonia e de amor, que emanava das matas, campos, dos animais. Admirado com o que sentia, desceu, com o Mestre, ao rés do chão. Seu espanto cresceu quando sentiu-se envolvido pela beleza do lugar. A frescura do ar, o farfalhar das folhas, as mil e uma cores das flores, a presença amiga dos animais. Não se contendo, exclamou:

— Mestre, isto aqui é um paraíso.

— Pois que PARAISO seja. Você acabou de dar nome a este local.

Andaram pelo Paraíso durante a tarde. Oãda cada vez mais cheio de admiração, principalmente pelos animais, entre os quais esperava encontrar uma companheira. Por mais que se sentisse muito bem, e gostasse de todas as criaturas, não encontrou uma que lhe satisfizesse.

Com a chegada da noite, Sued sugeriu:

— Vamos dormir. Amanhã continuaremos a procura.

Oãda dormiu profundamente, pois estava cansado. Enquanto ele dormia, Sued, que não pregara os olhos, levitou e elevou-se sobre os belos jardins iluminados por duas luas, uma azul e outra amarela, e dirigiu-se a um local, bem distante, onde, tinha certeza, encontraria a companhia apropriada para seu amado Oãda.

Na manhã seguinte, ao acordar, Oãda estremeceu ao ver, a alguns passos de distância, uma criatura que jamais pensara existir. Não tão alta como ele, de corpo com linhas suaves, coberta de pele como a sua, porém muito mais lisa, cabelos longos que lhe iam até a cintura, e um rosto... ha! que rosto lindo, suave, olhos profundos, nariz delicado e a boca vermelha, num sorriso encantador.

Sued, um pouco mais afastado, disse aos dois:

— Oãda, esta é Ave, a sua companheira perfeita.

E dirigindo-se a Ave:

— Este que está ai deitado, é Oãda, que criei como filho e que talvez seja de seu agrado.

Oãda se levantou e, obedecendo aos seus impulsos, aproximou-se de Ave e abraçou-a. Ela correspondeu ao abraço e cercou Oãda com seus belos braços, apertando-o junto a si, com visível deleite.

— Sim, vejo com alegria que vocês foram feitos um para o outro. Homem e mulher. Dou-lhes minha benção e recomendo que povoem o Paraíso e toda a Arret com sua descendência.

O casal, enlevado, quase que não escutou as bênçãos de Sued, que acrescentou:

— Já passei a Ave todo o conhecimento necessário para que vocês vivam bem e eternamente felizes. Recomendo prestarem atenção a algumas restrições que naturalmente devem observar, pois, como humanos, devem viver dentro dessa condição. Bem, isso tudo já lhes foi explicado, e agora os deixo para usufruírem juntos as delícias do Paraíso.

Levitando, lá se foi Sued, satisfeito porque agora havia companhia em sua existência, de duas pessoas maravilhosas que ele próprio abençoara. Já não viveria mais naquela solidão eterna.

Tempos passaram. Oãda e Ave viviam gozando de tudo o que o Paraíso proporcionava. Dias e noites de felicidade até onde podiam gozar.

Mas o tempo foi indo, foi indo... O passar de tantos dias e noites abundantes de momentos de amor... O tempo corrói as lembranças, faz esquecer as obrigações e deveres, e leva ao estado de monotonia.

Foi o que Ave sentiu. E na ânsia de desejar mais alegria e prazer, chegou a cometer atos que foram de encontro à sua natureza e consciência. Mas gostou da experiência que praticara sozinha e induziu Oãda a acompanhá-la nas transgressões à sua natureza.

— Não posso fazer isso! — Foi a primeira resposta do homem.

— Que mal existe? Já fiz diversas vezes e só senti prazer. — Ela argumentou.

E tanto insistiu com seu homem que o arrastou àquelas práticas que poderiam redundar em grande prejuízo deles mesmo, como homem e mulher.

Uma das consequências imediatas foi que começaram a sentir vergonha de seus corpos. Andar nus passou a incomodá-los. Passaram a usar folhas grandes das árvores para cobrirem os corpos. Desconfortável, mas os deixava menos vergonhosos.

Até que uma tarde, Sued apareceu-lhes para saber como estavam, se já haviam procriado, coisas assim. Com grande surpresa viu que tinham protegido seus corpos com folhas, enquanto que nenhum outro animal jamais fizera tal coisa.

— Meus filhos, por que estão usando estas folhas?

Perguntou por perguntar, pois já sabia de tudo, era onisciente.

Ambos estavam muito envergonhados ante Sued, e ficaram calados.

— Acaso fizeram algo contra sua própria natureza?

Ave gaguejou algumas palavras:

— Senhor, estamos... muito... envergonhados...e...

Oãda interrompeu-a, dizendo:

— Sim, Senhor, nós fizemos algo que não deveríamos, e agora estamos morrendo de vergonha.

Naquele momento, Sued sentiu uma grande ira, mas se conteve.

— Mas estamos arrependidos e já combinamos de não mais repetir aqueles atos que, sabemos, podem ser nossa perdição.

Sued já sabia que eles estavam arrependidos.

Sentiu-se frustrado com o que pensara quando uniu os dois em sua benção. Mas a Total Espiritualidade de Sued se manifestava em todas as situações. Assim, a ira do primeiro momento, que fora instantânea, foi substituída por uma imensa compaixão por aquele casal, que, na realidade, sabia muito pouco acerca de muitas coisas.

“Afinal, são humanos e não são perfeitos. Reconheço que eu deveria insistir na educação de ambos para que não fizessem essa besteira.” - Pensou Sued.

— Bem, sei que o arrependimento de vocês é sincero. Porém, compete-me esclarecer a vocês ainda algumas noções que eu havia deixado passar despercebidas.

Sued havia permanecido em pé, numa atitude de juiz ou julgador; a seguir, sentou-se na relva e convidou Oãda e Ave a sentarem-se também. Os dois assentaram-se um de cada lado de Sued, que, passando os braços sobre seus ombros, e lhes disse, com carinho e bem explicado, para que ambos entendessem perfeitamente o que lhes era ensinado:

— O que vou lhes falar é para vocês e para toda a geração que vocês terão. Passem aos seus filhos, e ordene-lhes que passem aos filhos e aos filhos de seus filhos.

— Primeiro, vou falar-lhes da necessidade de trabalharem. É uma maneira nobre e útil de preencherem o tempo. A ociosidade leva a curiosidade para coisas extraordinárias, mais das vezes para o impróprio ou para o indevido. Portanto, daqui para frente, tomem o trabalho como obrigação.

— Em segundo lugar, havia me esquecido de prevenir a Ave que, ao parir os filhos da sua relação com Oãda, será com dores, mas nada que lhe impedirá a alegria de ter mais filhos.

— Em terceiro, devo avisar-lhes que vocês não são eternos neste corpo que ora vivem. Vocês são constituídos de corpo e espírito, e que o corpo sofre as consequências do tempo, e um dia virá em que o espírito, que é imperecível, vai deixar o corpo para continuar a jornada da existência em outros planos, outras dimensões.

— Em quarto lugar, não deverão nunca pensar que entenderão tudo, como a imensidão infinita do Universo, o Tempo sem começo nem fim, a Natureza do Ser que abrange todo o Universo. Essa será uma presunção que a nada levará, senão a brigas e discórdias em sua descendência.

— Quinto esclarecimento. Ao longo do tempo aparecerão pessoas que vão seduzir seus descendentes, em meu nome ou em nome de diversas entidades: da riqueza, do poder, da ambição, de deuses, do mal, tudo bem disfarçado em boas intenções. Não ouçam – nem vocês nem seus descendentes – senão a voz do bom senso e de seus corações. Quando precisarem, conversem comigo, estarei sempre pronto aos seus chamados.

— Afinal, recomendo-lhes que não fiquem apenas no Paraíso. Tempo haverá em que seus descendentes, ou vocês, gostarão de explorar outras terras, conhecer mais deste planeta. Levem a todos os lugares o que aprenderam aqui e sejam bem felizes. Não se esqueçam: vocês foram criados para serem felizes.

Concluindo e levantando-se, Sued disse:

— Nós somos, em espírito, iguais, sem diferença. Assim será com todos seus descendentes. Estaremos juntos sempre. Levem minha benção para sempre.

Assim dizendo, Sued levantou-se e, levitando, elevou-se e desapareceu.

Ava e Oãda abraçaram-se e prometeram, entre si, cumprir e jamais desrespeitar o que lhes fora ensinado.

E viveram por muito tempo, trabalhando, procriando, lembrando-se sempre com gratidão, dos ensinamentos de Sued calcados em suas mentes com carinho e amor.

E assim povoaram o planeta Errat com gerações e gerações de homens e mulheres trabalhadores, dignos, alegres, pacíficos, harmoniosos e felizes.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 29 de agosto de 2018

Conto # 1047 da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/05/2018
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