o prefeito apaixonado
Madrugada alta, encontrava-me em um estado de espírito agradabilíssimo, ao meu lado a bela Biondetta, nós estávamos apaixonados, e nossos corpos apertavam-se em uma prazerosa refrega dentro do táxi que nos levava pela cidade de São Paulo, eis que por um breve instante de tempo, como se um segundo fosse dividido em mil pedacinhos, um átimo temporal capaz de imprimir sensações poderosas no inconsciente, enquanto lambuzava-me com os lábios de Biondetta, reparei que atravessávamos a Marginal Pinheiros, imensa e iluminada, um dos símbolos de Sampa; a cidade a qual seria prefeito dali duas semanas.
Já tinha um plano elaborado para governar a cidade, seria algo inovador no que diz respeito à administração pública, possuía fiéis aliados na Câmara dos Vereadores, ainda que pareça ingenuidade crer em fidelidade política de raposas sedentas pelo poder, era inegável que a base aliada era maioria e estava fechada comigo. Sempre trabalhei para ser o Manda-Chuva e a oportunidade de assumir a cadeira apareceu no tempo certo, uma vez que Darius, renunciaria dali alguns dias ao cargo de prefeito para candidatar-se ao Governo do estado. Enquanto vice-prefeito, sempre fora discreto ao público, no entanto, nos bastidores trabalhava incansavelmente com toda a argúcia.
Pensar em “prefeitar”, termo em voga criado pelo prefeito Darius durante a campanha eleitoral, enchia-me de doses extras de tesão e quem pagava a conta era Biondetta, que sentia o meu entusiasmo aflorando por cada centímetro de minha pele, inegavelmente me tornara um eficiente estrategista político, que soube pacientemente esperar a vez de assumir o comando do imenso navio que é a cidade. Minha companheira Biondetta, insistia em sua própria paixão carnal que também a consumia, enquanto procurava com minhas mãos os destinos em seu corpo que pudessem estar úmidos, respirava sufocado pelo perfume de fruta que exalavam seus cabelos loiros. O motorista do táxi dirigia imperturbável, com excesso de profissionalismo e parecia nem um pouco surpreso com um casal farreando no banco de trás de seu carro, certamente havia se deparado com outros casais apaixonados algumas centenas de vezes, dirigindo pela cidade de madrugada.
Quando o jornalista perguntou como estava minha ansiedade antes de assumir tão grandioso cargo, respondi que me sentia precisamente “como uma criança que vai pela primeira vez à Disney”, estava realmente exultante.
Ainda dentro do carro que flanava por Sampa, atravessávamos a Avenida Interlagos e naquele mesmo flashzinho de tempo mencionado há pouco, ocorreu-me de ver alguns moradores de rua tilintando de frio, deitados sob um escuro viaduto. A madrugada era toda estrelada e naquela hora a temperatura estava tão baixa que poderia muito bem levar à morte algum pobre desalentado. Meu impulso foi de solicitar ao motorista que parasse o carro por um instante, para que deixasse meu precioso casaco italiano com um daqueles infelizes, mas Biondetta puxou-me com ainda mais força para dentro de si, então logo esqueci aquela “ceninha” fora do carro, resolvi aproveitar o momento enquanto sorria discretamente pensando nas infinitas possibilidades que o futuro me reservava.