O menino
Desesperadamente ele tentava evitar sua queda. Se debruçava, mas isso só o fazia rodopiar no ar. Cada vez mais que caía, mais a luz do inicio do poço ficava mais distante. Tentou se segurar nas paredes, o fazendo ralar os dedos e quase quebrar suas mãos. Ele era puxado para baixo, sem piedade e ajuda. Ficara assim por horas, dias, meses, talvez. Ali, em plena obscuridade, não sabia determinar o tempo. A luz, agora era só um pontinho longínquo. Uma lembrança do que fora um dia.
Um homem livre. Um homem com sonhos. Um homem feliz. Porém, neste instante, tudo era lembranças. Recordações de uma mente perturbada.
Pairando no ar, sentindo o vento cortar seu corpo em queda livre, tentou adormecer. Talvez, ao dormir, a morte que lhe aguardava, não seria tão dolorosa. Entretanto, quando fechava os olhos, o passado se lhe apresentava em forma de tormenta. Ora, seus pensamentos eram de alegria, em sua maioria, de tristezas. De traumas, de esperanças negadas, de traições de pessoas que confiara. E, esse peso na alma, o puxava com mais força para dentro do nada. Se debruçou sobre seu próprio corpo em posição de feto. A dor o envolvia no silêncio da agonia.
Ficou ali, tremendo. Talvez, por medo da morte. Talvez, pelas memórias de sofrimento. Talvez, pela solidão. Pelo abandono. Talvez, pelo conjunto de todas essas coisas juntas. Isso o foi sufocando, sufocando, entalando em sua garganta, o tirando o ar, a vontade de continuar vivo.
Até que, ele gritou. Seu grito, ecoou naquele lugar. O fez abrir os braços e pernas no ar. O fez parar de olhar para o que havia deixado para trás em queda. O fez se virar para o que havia em sua frente. O nada. A escuridão. O vazio.
O breu o ouviu e penetrou em seu peito. Foi rasgando cada tecido, músculo, ossos, células, o que encontrava pela frente, o fazendo rugir mais e mais. Ela entrou em cada vaso sanguíneo, até seu coração que batia forte. Pulsava com furor. Foi arrancando dentro dele, aquele pesar.
Então, ele se libertou. Aceitou seu fim. Sua partida. Quando achara que chegou sua hora, algo aconteceu. Seus membros começaram a queimar, a sangrar. Iam brotando de dentro de sua pele, penas. Suas pernas encurtaram. Seus braços viraram asas. Da sua face nasceu um bico curvo e amarelado. Sua visão conseguia ver na mais profunda escuridão.
Enfim, parou de desmoronar e começou a voar. Rodopiou novamente no ar em direção a saída. Sua velocidade era dez vezes maior que sua queda. Maior que a dor que carregara. Do peso que o fazia ir para o limbo. Voou e voou alto. Para longe do poço e para longe do chão. Para o céu azul que nunca imaginou estar. E, não mais o puderam joga-lo ali.
Pois, o menino, se tornara uma águia.