DIÁRIO DE BORDO QUEIMADO – SEGUNDO DIA

Ainda de olhos fechados, sentia o arredor. Pescoço desconfortável, sem apoio, corpo frio, dor de cabeça espetando as têmporas... regacei os olhos duma vez, nublados ainda e vi um par de pernas, pernas cabeludas e ergui os olhos num rompante pra ver de quem, eram do Chefe... fui vendo a cena, deitou de valete, roubou minha coberta e o travesseiro que usava. Puxei a coberta, joguei-a no chão. Levantei, lavei o rosto no espelho e tomei uma ducha, cura ressaca.

Dividíamos o quarto com o Indiano e Negrão, não conversamos muito, mas pareciam bacanas. Todos amoitados, resfriados pelo ar condicionado que marcava vinte graus. Eu decidi me esquecer de smartphone, e o deixei na mochila, ficaria ligado até a bateria morrer. Sede, e na geladeira não tinha nada que não fosse alcoólico.

Chefe acordou, reclamando da coberta. Indiano e Negrão também. Os convidei pra tomar café. O mal humor estava instalado, mas uma disposição cordial de conhecer novos amigos abria o diálogo. Trabalho, Negrão era taxista, autônomo a anos, dizia que não vale a pena trabalhar em época de férias. Indiano tinha uma loja de camisas e gravatas, coisa fina, e da galera tinha uma boa clientela, e vira e mexe sempre estavam juntos. Eu era apenas espectador do papo, enquanto Chefe falava do seu ramo, vi as garotas que dividiam o quarto com a Pantera e, bem, ela não veio junto.

– Chefe, cadê a Pantera?

– Cara, acho que foi correr na orla, me convidou ontem, mas eu desmaiei, acho que ficou sem graça de me chamar. – É, parece que chefe arrumou alguma coisa com ela, mas não falamos ainda sobre.

– E como foi ontem?

– Foi muito, muito louco. Você perdeu. Porque veio embora?

– Eu nem me lembro de ter vindo embora.

Fui pro quarto com o Chefe, e ele colocou música indiana. As pessoas começaram a afluir, o quarto começou a encher, em questão de minutos, de mulheres... todas as meninas rodearam nossa cama de casal, e começaram uma sessão de massagem. O clima esquentava com a cachaça que descia, o clima de praia e uma trilha que faríamos da praia Caixa d'aço até uma piscina natural. Todas as meninas estavam ali, menos Pantera, que ainda não dera as caras. Ela era exceção, de natureza solitária, felina.

– Alguém viu a Pantera por aí? – Perguntava o Chefe a alguém que passou na porta do quarto.

E então ela chegou. Entrou no quarto, perguntando:

– Quem aqui está de moto? Quero andar de moto, gente, nunca andei!

– Eu estou. – Retruquei semi tímido.

– Ah, você vai beber. Melhor deixar pra lá.

– Vou, mas não como ontem hahaha. – Na verdade tinha dúvidas se cumpriria essa promessa. – ...se quiser, vamos comigo.

– Tá, mas só se você fechar um acordo: Não beber hoje. Eu não bebo pra te acompanhar.

– Olha, eu vou beber, pouco.

– Então vou te monitorar, ok?!

Eu não tinha chances. A queria. Comigo, garupa e um perdido, que rolasse on ou off. Então eu sorri como se dissesse sim, mas não! Mal me toquei que já tinha entornado um quarto da cachaça, quando lembrei do Chefe, galanteando Pantera no dia anterior. E não sabia o desfecho.

Chamei Chefe de lado:

– Chefe, o que aconteceu ontem? Só lembro de acordar no quarto haha...

– Ah, varias coisas. Porque voltou pra pousada?

– Sei lá, a última parte que lembro era de você conversando com a Pantera. Depois, puff! Acordei na cama.

– É, tive momentos sozinho com ela, a gente até encontrou um samba de raiz em um dos becos.

– Beijou ela? – Ele se calava, ensaiava mas não acenava nem que sim nem que não com a cabeça. – Beijou, né? Safado!

– E aí?! Ela quer ir de moto com você, nem to mais afim... ia correr com ela hoje cedo, não chamou, não falou nada...

– Ficou com ela ou não? – e se calou mais um pouco. – Cara, vou levar ela na minha garupa, vai encanar?!

– Pode levar, tenho nada com ninguém não. Vou olhar as outras minas do rolê. Vamos ver quem se salva hahaha! – Chefe não dava o braço a torcer. Mas sabia que desde o começo que meus olhos perseguiam a Pantera.

Rumamos, eu e ela de moto, puxava a galera em três carros. Pantera vinha me fazendo a retrospectiva do dia anterior. Filmou e pedia pra acelerar, sorria e me exprimia com suas cochas duras. Estiquei até a praia sem o pessoal, estacionei e chegamos mais rápido, escolhemos o canto da praia em um deck, beira mar. Muito, muito sol, a ponto de ser impossível passar sem uma bebida gelada.

Fechamos mesa comunitária, tinha uma cantora de voz de veludo entoando Cazuza, Leoni, Circuladô e Gonzaga... a praia cantarolava sua voz e a turma alternava entre mergulhos da praia e retornos pra hidratar com cerveja. Pantera me ofereceu, aceitei com os olhos, e repartimos o mesmo copo.

Quando trilhamos à piscina natural, subi as pedras, a Pantera veio atrás e, num súbito, fui cortante:

– Hey, olha pra mim... – cravejei meus olhos nos brilhantes olhos da fera – Você me quer?!

– Sim. – Direta, sem explicações, sem desfeitas. Um puro e sonoro "sim".

– Então vem aqui.

– Não na frente de todo mundo. A gente vai ficar junto, fica tranquilo.

– Então vamos voltar agora pra pousada. A gente faz meia hora aqui e volta.

– Ok!

Muito whisky rolou naquelas pedras. E muitos olhares presenteados de Pantera, como se dissesse ser minha, também com os olhos. Senti a inveja dos outros caras, e ri por dentro quando o Chefe veio anunciar que se enrabichou na Guia. Tiramos fotos, pisquei pra Pantera e, apontei uma lancha pra que chegássemos mais rápido que o bando.

Ironicamente virou um movimento de batida em retirada, todos decidiram ir embora, conosco e, todos, decidiram fretar as lanchas que aguardavam quem quisesse voltar pra orla sem ter de refazer a trilha. Voltamos, pegamos a moto e seguimos na frente pra pousada. Caímos na piscina, agarrados, em dança lenta, entre apertos, abraços enveolados em beijos. Conversávamos e nos amarrávamos entre a cintura.

Decidi não sair naquela noite. Acabou entre momentos de carícia, carisma e intensidade. Não quis me misturar na galera. Não me lembrei de ninguém. Só tinha olhos pra Pantera.