DIÁRIO DE BORDO QUEIMADO – PRIMEIRO DIA

Amores e amantes, cachaças e destilados variados, o que nos fizesse sorrir, bocas que se encontravam nos quartos, nas pedras, na água salgada, na chegada e no clima, a coordenadora da pousada me pediu pra chamar nossa Guia turística, estaria por ali com o pessoal na piscina.

Quatorze pessoas, oito mulheres, e coagi a primeira das garotas do caminho, dourando sua morena pele ao sol, biquíni amarelo, elo e acesso de fúria da natureza:

– Você é nossa Guia?

– Oi, não! Prazer, sou a Pantera! – Voz grave, como seus acordes de violão e pele negra brilhante. Me estendeu a mão, e a puxei com um beijo na bochecha. – Dê uma olhada na piscina, falou com a moça errada.

A partir daquele momento, já não podia me importar mais com qualquer outra garota. Pantera era notada em nossa esfera, interagia com ímpeto, desfilava com marra, tocava o ombro dos rapazes e lhes dava atenção. Um a um, notava seus traços fortes, seus lindos cabelos trançados, sua musculatura assimétrica em frestas de intenção e exibicionismo felino.

A pousada tinha clima de praia, cadeiras de madeira beirando a piscina, uma ducha que quem usasse seria visto no pedaço. Uns trinta quartos, e numa distância agradável de três quarteirões da praia. Nos levaram ao quarto, tinha uma geladeira, um estoque de bebidas, além das que levamos conosco, cerveja, rum, cachaça e refrigerante. O quarto estava agradavelmente frio, ar condicionado, duas camas de solteiro e uma de casal. Decoração sóbria, simples e aconchegante. Joguei a mala na cama de casal e começamos a regar nossa loucura naquele instante.

Chefe e outros três gostaram da mesma garota. É, a mesma que eu. Observávamos o outro lado da piscina à beira da sina masculina, o assédio, o acesso, a caça há quem corteja, todas as minhas veias pulsavam em uma única direção do olhar. A fera dançava, danada, alguém até filmou sua petulância, e eu marcaria aquele retrato na mira, a roubaria pra mim. Ainda não sabia como, mas sabia.

Fui com Chefe até nosso quarto, tomei um banho, três doses viradas rápido, e preparei uma cuba libre na lata de Coca-Cola, do caminho à galera. Os olhares se voltaram a nós, como se cortinas se abrissem sob holofotes, e sorrisos, e cochichos. Um dos caras nos perguntou quando que entraríamos na piscina:

– Quando o álcool subir, quando subir... – respondi sorrindo.

Pantera canalizou um olhar vítreo em mim. Se aproximou da beira da piscina assim que entrei e, me observava o fundo dos olhos, sem disfarce ou reservas, até que puxou assunto.

Algo vago, leve, sobre arte, literatura e sua queda pelo teatro, sua profissão e seus planos de longo prazo. Falou sobre sua experiência em plataformas da Petrobras, sobre o mar de Fernando de Noronha, sobre Cabo Frio e suas fotos, e seu ponto de vista. Chefe se inflamou, tomou conta da conversa, quando os deixei. O álcool subia minha cabeça quando a Guia me chamou pra ir buscar cerveja no quarto. Me arrancou um beijo, me jogou na cama, farejando e apalpando, me passando seu corpo molhado. Ela dizia que ninguém saberia, e que meu cheiro era bom... eu não cedi não, saí desconcertado, alcoólico anônimo, voltei ao bando com fogo maior que o comum e, a Pantera que não parava de olhar.

A noite caia de maduro, eu trançava as pernas, rumo ao centro histórico de Paraty. Ruelas, paralelepípedo, uma noite abafada e o pessoalzinho rumava junto pra ver o que rolava. Pantera caminhava ao meu lado, falando de suas tentativas de namoro, de ser abandonada entre incertezas, de seu dedo podre pro amor, e da paixão por viagens e aventuras. Ela parecia perfeita pra mim, mas o álcool me comeu a memória, e só me lembro de acordar três horas na pousada, com frio. Levantei, ajustei a temperatura do ar condicionado e apaguei, em segundos. Fui um dos primeiros a dormir naquela noite.