O VELHO PROFESSOR E UMA UTOPIA SALTITANTE
Sentado numa mureta, no amplo jardim do vetusto educandário, onde leciona há décadas, o velho professor aproveita o intervalo entre os turnos matutino e vespertino para meditar. Mesmo aposentado, continua a lecionar, por não ter outra coisa que fazer.
A idade já lhe pesa, e ele avalia que a vida, a essa altura, já não faz muito sentido. O mundo é dos jovens, aos quais tudo é possível, até as utopias. Para ele, elas já perderam todo o encanto e se revelaram meras... utopias! Contudo, é preciso manter o ânimo, ainda que só aparentemente, porque um educador não tem o direito de contaminar, com as próprias desilusões, os seus discípulos.
O turno da manhã acabara havia já meia hora quando, de repente, uma aluna do ensino médio chega correndo, para à sua frente e, sorrindo, desafia-o, olho no olho. Cruza-lhe as mãos pela nuca, segura-o firmemente e beija-lhe a boca com ímpeto descomunal! Depois o solta e, da mesma forma que chegou, correndo, vai embora.
As reflexões do professor dão uma guinada radical! Sensações que pareciam mortas ressuscitam; a vida volta a fazer sentido (até lembra que precisa almoçar!). Aquela danadinha... (de que série mesmo será ela? Quantos anos terá? Que terá pretendido com isso?) viera arrancá-lo de um estado de desânimo e mostrar-lhe que na vida sempre haverá surpresas. Ainda que nunca mais a veja - pois é possível que nem pertença a uma de suas turmas -, o brilho intenso e úmido daquele olhar, o sorriso amplo, de dentes magníficos, e o sabor daqueles lábios inesperados permanecerão vivos na sua memória, a dizer-lhe que nunca é tarde para alimentar utopias!