A COXA
Na minha infância, a grande atração do almoço de domingo era o frango caipira. Comíamos todos juntos, à mesa, com enorme prazer. E, nesse ritual, a divisão era norma importante, feita de maneira hierárquica: para papai e mamãe ficavam reservadas as partes mais valorizadas, e nós, filhos, tínhamos a preferência de acordo com a ordem de idade. Como caçula dos oitos irmãos, restavam-me os pedaços renegados pelos outros. Ainda assim, devorava com apetite, pois era delicioso o frango que mamãe fazia! Apreciávamos tanto aquela carne, que criamos o costume de deixá-la em um canto do prato, comendo-a lentamente. É que não tínhamos tanta fartura dela quanto tínhamos do arroz, do feijão, das saladas... Podíamos repetir estes, mas não a ave, e queríamos sentir seu gosto do início ao fim da refeição.
Os anos foram passando, meus irmãos e irmãs se casando, e eu progredia na “escala de partes nobres do frango”. Depois, chegou minha vez de casar. Mais tarde, Deus levou meus pais. Já não comia frango caipira no almoço de domingo. Contudo, mantive, por hábito, o gesto de deixar sempre as carnes no cantinho, beliscando-as lentamente.
Um dia, fui convidado para almoçar na casa da minha madrinha. Amava-a demais e fiquei muito feliz pela oportunidade de revê-la. Tal felicidade aumentou quando descobri o cardápio. Sim, era ele, à moda antiga! O cheiro penetrou pelo meu nariz, desencadeando uma torrente de emoções nostálgicas. A madrinha serviu-me uma coxa, trazendo-me ainda outras reflexões. Pensei em por quanto tempo eu, criança, desejei aquele pedaço. Saboreava-o ao meu modo vagaroso e conversava, relembrava coisas do passado.
— Tá ótima a comida, Dinda! — exclamei.
— Que bom que gostou, Gérson! Quer mais?
— Sim, por favor! — respondi, entregando-a o prato.
— Você não gostou do frango, hein? Mal tocou nele. — disse ela, enquanto eu a via jogar a coxa no lixo.
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Baseado em uma história real. Maio de 2018.