EU, APOSENTADO... - PARTE II

Descobri uma forma divertida (ou de novo cansativa?) de conseguir a aposentadoria por um primeiro cansaço e assumir um segundo... É assim - décadas na indústria (acordar pouco além da madrugada, muitas vezes apostando corrida com o sol na estrada...) e simultaneamente cinco anos cochilantes na faculdade noturna + tantos posteriores anos na intelectualidade (dormir muito além da meia-noite, olhos e massa cinzenta já confundindo a Lei 6515 /trambiques?/ com a centena 171 /divórcio ou palpite para o ‘ilegal’ jogo do bicho em cada esquina do país?/, não mais distinguindo entre a testemunha de acusação /sem querer, nome de um filmaço do repeteco na madrugada!/ ou o marido infiel recusando pensão alimentícia)......... Somando tudo, uns 50 anos (só?!) de atividades ininterruptas. Minha então idade??? Explicação - quando eu cansar de máquinas, máquinas, máquinas (óculos de proteção), buscarei um cansaço em livros, livros, livros (óculos de enxergação)... Meu vizinho aposentou-se relativamente cedo a se reveza entre a casa, onde a serviçal o atormenta, versão dele, mas não a demite porque é a perfeição (e a paciência, versão dela) absoluta de uma ‘quase’ rainha do lar’, esposa de mentirinha... e a pracinha que o distrai das inevitáveis gotas de depressão. Vários aposentados numa unida e invisível agremiação: idades e permuta de manias. Traz os mais incríveis lixos, tais como relógio de um só ponteiro, alegou que Maria tem “problemas” com horários das novelas, brinquedos desmontados e outros eletrodomésticos quebrados, ao se imaginar pirata descobrindo um baú achado na esquina: “Uau! Que tesouro!” - ainda não hora do caminhão da limpeza urbana. Certa vez, em função detetivesca, não achou pista do gato fujão de Dona Marlene, professora também aposentada, que não se cansa de corrigir ali mesmo o português ruim de todo mundo, mas trouxe três cachorros perdidos, uma calopsita, um......... - Maria apenas mostrou a vassoura: fuga geral! Já vi na pracinha (espero jamais ser um destes) quem não se aposentou emocionalmente, tendo ainda no ‘sangue’ e na alma resíduos das antigas atividades: um construiu um guarda-sol sobre a casinha do joão-de-barro, o motorista de carro de som arrasta um carrinho com gravação nunca solicitada, “Promoção do dia”, outro instalou água açucarada no bebedouro suspenso dos beija-flores, ex-hoteleiro construiu uma casinha com 6 orifícios abertos para pombos e desenhou ‘cinco estrelas’... Assumo que não resisti aos encantos da pracinha (quem sabe, meu futuro ambiente de desocupado útil?). Um 12 de junho de sol morno, namoradinho oferecendo flores à namoradinha, banquei o “tiozão”, tipo assim homem-almanaque, e ensinei uma dica ótima para conservar as flores por mais tempo. Ímpetos de chamar “certos” trabalhadores - os estátuas-vivas, o pipoqueiro e o lambe-lambe (autônomos?), e homens trabalhando sob a calçada (bom, ofereci ajuda e minha tradicional maleta de ferramentas) - e orientar sobre leis trabalhistas, mas......... me pareceram arredios, não enturmáveis com doutor maduro desconhecido.

NOTA DO AUTOR: “Testemunha de acusação” - 1957 - inspiração em Agatha Christie - principal elenco: Marlene Dietrich, Charles Laughton e Tyrone Power. Ih, advogado com um ‘pé’ na aposentadoria... Filme que todo advogado e estudante de Direito deveria assistir... FONTE: HQ - URBANO, O APOSENTADO, de A. Silvério - Rio, jornal O GLOBO, datas diversas.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 05/05/2018
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