Impossível
Desço, no elevador displicente, até o saguão do edifício. Saio no estacionamento, atravesso-o, encontro a luz do ar livre. Uma avenida que se desfaz em mar metros à frente. Tomo o rumo da padaria. Peço à mocinha meus cigarros: minha marca muitas vezes está em falta. Como minha sorte; mas, desta vez, tem. Os cigarros, não a sorte. Pago e volto. No caminho, o velho mendigo deficiente visual me vê, constrangendo-me com a mão estendida bem à minha frente. Desvio-me: sou uma criatura desprezível, bem sei. Enquanto me afasto, escuto seu bordão de cego:
"Tou pedindo uma colaboração..."
Poucos colaboram. Uma vez dei-lhe duas notas de baixo valor, ao que ele perguntou:
"Quanto tem aí?"
"Quatro reais", respondi.
Ele enfiou as notas no bolso sem quaisquer sinais de alegria. Entendo-o. Nenhuma colaboração é suficiente, hoje em dia, para amenizar a atualidade da miséria.
E agora, enquanto continuo me afastando, escuto-lhe ainda a monótona cantilena:
"Tou pedindo uma colaboração... se for possííível..."
Não, meu velho. Não é possível.