Impossível

Desço, no elevador displicente, até o saguão do edifício. Saio no estacionamento, atravesso-o, encontro a luz do ar livre. Uma avenida que se desfaz em mar metros à frente. Tomo o rumo da padaria. Peço à mocinha meus cigarros: minha marca muitas vezes está em falta. Como minha sorte; mas, desta vez, tem. Os cigarros, não a sorte. Pago e volto. No caminho, o velho mendigo deficiente visual me vê, constrangendo-me com a mão estendida bem à minha frente. Desvio-me: sou uma criatura desprezível, bem sei. Enquanto me afasto, escuto seu bordão de cego:

"Tou pedindo uma colaboração..."

Poucos colaboram. Uma vez dei-lhe duas notas de baixo valor, ao que ele perguntou:

"Quanto tem aí?"

"Quatro reais", respondi.

Ele enfiou as notas no bolso sem quaisquer sinais de alegria. Entendo-o. Nenhuma colaboração é suficiente, hoje em dia, para amenizar a atualidade da miséria.

E agora, enquanto continuo me afastando, escuto-lhe ainda a monótona cantilena:

"Tou pedindo uma colaboração... se for possííível..."

Não, meu velho. Não é possível.

Damnus Vobiscum
Enviado por Damnus Vobiscum em 24/04/2018
Reeditado em 24/04/2018
Código do texto: T6317798
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