NOTEMUNDO

A ponta da História, não oferecida na íntegra, segundo óbvias diacronias, vê-se deturpada enquanto nada. Aqui à ela não se corrobora para fontes de pesquisas ou correntes ideológicas; distintas linhas de pensamentos; sem quaisquer discernimentos, em detrimento do NOVO TEMPO.

A princípio, note que o mundo nos seus mais austeros ventos evolutivos, justifica-se sem alguma coerência. Surgiu ao acaso! Após o Big-bang; da personalização universal; da configuração das galáxias;.. Note que o mundo se maquiou à eras, períodos, sendo o ser homo, indiscutivelmente o mesolítico, foi procurando dominá-lo, entrincheirado em seus caminhos. Note que o mundo. Note o mundo. Notemundo!

Eu caminhava na França liberal, transindo oniricamente, e pensando à razão de ter trocado o curso de Medicina pela regência musical. Numa confluência iluminista, ditava o ideal numa esquina, ou de passagem, eu, Montesquieu ou Voltaire, conversávamos até que o tempo em absoluto caísse. Intuitivamente, meu sonho era à maestria. Mas não era nobre ou oriundo da burguesia. Casado, de sogro militar-conservador, combatia minha destreza artística. Sustentava-me também com sua gestante filha, e espinafrava-a:

- Como esse louco larga a Medicina?

Terei de lecionar música enquanto não me formar, então, a prover o sustento de minha família.

Até 1968, fui militante do movimento estudantil. Subia nos postes, corria sobre os carros, inflamando discursos contra o regime militar que apunhalara o Brasil. Participei de todos os movimentos de resistência, sejam culturais, artísticos, orgiásticos, e até a passeata dos Cem Mil. No entanto, eu já era figura conhecida no Departamento de Organização Política e Social ( DOPS ). Após o AI-5, tive de cair na clandestinidade e acabei aderindo à luta armada. Por volta do início dos anos setenta, nossa organização, precisava amealhar fundos para executar o seqüestro de um embaixador estrangeiro, cujo objetivo era sua troca – a do diplomata -, pela soltura e envio de alguns companheiros – amigos presos políticos - para um outro país.

E no banco, empunhei minha arma:

- Não é um assalto!.. Dizia ... Somos de um movimento revolucionário... Vocês não sabem, mas existe uma ditadura dirigindo o país que vem a tolher nossas liberdades individuais e governa o Brasil a seu bel prazer...

Enquanto meus camaradas recolhiam a grana, eu continuava discursando:

- Se todos continuarem deitados, se ninguém reagir, não vamos machucá-los!.. Não é assim que almejamos uma revolução!.. Estamos nos sacrificando pelo bem comum da nação...

Terminada a ação, saímos correndo da instituição bancária, com as sacolas de dinheiros nas mãos. Jogamo-nos de encontro ao veículo estacionado bem próximo à nossa espera, o qual logo arrancou. Ainda ouvimos os disparos do revólver do guarda contra o automóvel, mas não deu tempo deles nos perseguirem. Já comemorávamos, naquele exato momento, o sucesso da atividade!

Em meio àquela bruta euforia, um dos militantes, companheiro de luta e da citada ação, perguntou-me:

- E aí camarada... prefiro resguardar o meu codinome clandestino, e prosseguindo... O que faremos com todos tantos cruzeiros?.. Alugaremos um aparelho maior?.. Compraremos mais armas?.. Seqüestraremos logo o embaixador?!

Eu contava algumas cédulas e não me demorei em respondê-lo:

- Nada, seu babaca!.. Vamos dividir o tutano, para saírmos da merda... Eu, particularmente, pretendo queimar fumo e pegar onda no Havaí!

Contudo, em um nublado dia texano, encontrei despretensiosamente, William Seward Burroughs, bebendo num bar. Cumprimentei-o formalmente e ele, num tom amistoso, jamais bichoso, requisitou outro copo e mais uma cerveja. Quis saber de mim: como andava a vida, a família, o Getúlio, o Dutra, o Brasil!.. Respondi que tudo caminhava na mesma merda do pós-guerra. Confessou-me ter entocado em sua casa, algumas cápsulas de morfina, um pouco de pó e erva. Eu disse a Seward que apesar de está há tempos longe da droga, enfim, bateu à fissura, à tentação, pudera?

Já onde morava o escritor, usando seus próprios instrumentos, ele aqueceu uns centigramas de morfina com um pouco de água numa colher, e logo adicionou com uma lâmina, um pouco de cocaína na solução e, puxou no conta-gotas. Eu amarrei o cadarço do meu sapato no braço, enquanto Burroughs procurava nele uma veia. Não foi difícil! Quando senti o efeito da droga entrando em mim; avassalando meu corpo; chapações causadas, justamente por substâncias tão distintas! William resolveu fumar uma ponta de maconha, e eu, permaneci naquele sofá, divagando, um “puta que pariu”,noutro plano!

Helena, colocou um disco antigo do Led Zeppelin. Tomávamos vodca e conversávamos sobre o futuro da nossa banda. Mas aquela porra decenária me enjoava! Eu pedia, pedia e suplicava à minha namorada por algo mais atual. Então, parti a vitrola num chute. Terminamos à noite, tirando no violão The Smiths, Zero e Legião!

Parmênides da Eléia, ficou sabendo de mim e me solicitou a conversar. Fui ter com o filósofo e discutimos sobre a natureza, Xenófanes, filosofia jônica, helênica – no geral. Mas antes falei com Heráclito, sabatinando-o sobre o "Panta-rei". Muito antes, fui agricultor; construtor de diques e barragens; escriba às margens do Tigre e Eufrates. “Entre-rios” eu coçava às orelhas e já mostrava meus dotes sacanas na antigüidade. Mais à frente – de Parmênides -, fui apaixonado por Maria Madalena, uma moça da Galiléia, pela qual me valeu um desejo insaciável e a produção sudorípara – em superescala – à incansáveis punhetas. Um dia ela se ajoelhou diante de um homem das bandas de Nazaré, o qual intitulavam-no o profético messias das sagradas escrituras. E Madalena seguiu o peregrino com um status de ex. Perdoada, deixando-nos como uma multidão de incrédulos a sós. Soube de alguns que se mataram. Outros se deram aos nós!

No ano 1888, estive em Turim na Itália e resolvi visitar Nietzsche. Congratulei-o pelo Zaratustra, Pelo bem e pelo mal, dentre tantos tratados filosóficos, também resolvi agradecê-lo pelo curso de Filologia que ministrara em meus tempos de delírios universitários. Ao levantar o caso Wagner ao filósofo, ele me mandou tomar no cu.

Segunda Guerra Mundial! No continente europeu, iniciava-se uma revolução de dimensões psico-sociológicas na humanidade. Deve-se ressalvar: a Europa, propriamente, era o palco da peleja num caráter mais veemente. Tão logo, apolítico, ou talvez um anarco-comuna não-stalinista, eu me resguardava ao existencialismo, ainda como exercício intelectual alternativo, e comia uma menina. Claro, era virgem a tal guria! Naquele tempo, algumas garotas ainda resguardavam o hímen ao matrimônio; à redenção do casamento! Olhe que o velho mundo sempre foi mais avançado conceitualmente, generalizando, em relação às Américas. Tomemos como exemplo o caso da Holanda!...

Pois bem, um dia, a Alemanha invadiu Paris. Fui preso pelo exército nazista, mas nem liguei! Ela – a vadia -, já não me dava mais a bunda mesmo!.. Passei os dias naquela “Bastilha”, lendo na surdina sobre Rosa Luxemburgo; ouvi falar de um esquerdista chamado Luiz Carlos Prestes; mas comuna nunca fui não!.. E como diz o Chaves: -“Isso, isso, isso, isso”...

Onde andará a tal virgenzinha do rabinho doce e endiabrado? Se foda a História também, a geopolítica do vigésimo século e os caralhos! Quem premiou os civis foi à descolonização afro-asiática; as bombas de Nagasaki e Hiroshima; a Guerra Fria.

Na Esparta, a urgência da guerra do Peloponeso, por volta de 381 a.c, talvez não me fizesse feliz. Como bom descendente de espartíatas, fiz valer minha cidadania: educava, ensinava e treinava os meninos que seriam um dia como eu: futuros guerreiros, defensores da austeridade cívica e militar estatal. Os quarenta e um anos da guerra (403a.C-362a.c), representavam dias quentes, beligerantes, turbulentos. Todavia, trocávamos carícias – eu e os rapazes - nalguns instantes!

Analistas prognosticavam os conflitos balcânicos, enquanto eu, seduzido, admirava o painel da guerra. Os rebeldes do UCK ( Exército de Libertação de Kosovo), lutavam contra à “varredura sérvia”. Meu pincel albanês, imaginava Milosevic – o Príncipe Negro -, planejando bombardeios sanguinários em telas, numa perspectiva étnica.

Porém, frustrou-se quando a OTAN interveio. Houve dissensão guerrilheira. Na virada secular à península se retraiu. Vejam: à Sérvia vendeu aos tribunais de Haia, Milosevic, seu ex-presidente. Prossegui pintando quadros contundentes. Ninguém está contente!

Em 1979, retornei do exílio político com a new-left na cabeça e um futuro nas mãos. Já tendo dançado na guerrilha urbana, posteriormente também entre os desbundados, e finalmente no Studio 54. Eis que trazia no currículo o terrorismo revolucionário – isso após ter me embriagado no 74 dos Cravos! Passeei pelo mundo a cavalo, e então, já me via preparado para o equilíbrio entre a abertura gradual e o socialismo democrático.

Ao pisar neste solo patriótico, fiz contato com o Glauber Rocha, almejando um novo trabalho. Eu estava “duraço”, e pintou um papel em seu mais novo projeto denominado: A idade da Terra.

Não era a primeira vez que eu trabalhava com o cineasta. Houve uma oportunidade por volta de 1966, noutra produção sua – Terra em transe -. Glauber na época salientou que me cairia bem o papel de Sylvia( personagem do filme). No entanto, ele encontrou uma atriz nata e mais bonita. Assim, acabei por encenar a negra bandeira da imaginária Eldorado, cuja utilizada em várias tomadas por D. Porfírio Diáz, interpretado magistralmente pelo célebre Paulo Autran. Fui parte da cena clássica, quando a referida personagem percorre num automóvel conversível com a cruz e comigo – a bandeira – na mão, após dar um golpe na metafórica república.

Desta vez, o diretor fora taxativo: eu encenaria o Crysto Português, não!.. O Crysto Negro, não!.. O hippie, não!.. Rosa Madalena, não!.. Bramhs, não!.. O Capeta, não!.. Não, não, não, NÃO!..