Cantiga

--Canta, mãe, de novo aquela música?

E a mãe tornava a entoar aquela melodia desafinada que era tão boba e tão boa. E naquela voz fraca e insegura, a criança encontrava o seu mundo.

--Mãe --interrompe a criança--,eu também vou morrer?

-- Vai, querido. Um dia todos nós vamos. Mas sossega, não há de ser agora. Você ainda vai viver muito.

-- E por que papai morreu tão cedo?

-- Foi vontade de Deus. Ele achou que era hora e o chamou.

-- Por que chamou papai de volta pouco depois de eu chegar? Por que não o deixou ficar um pouco comigo?

A mãe, trêmula, com a voz embargada, recomeça a canção com lágrimas nos olhos. Também a criança tem os olhos úmidos.

E naquelas lágrimas que afloravam, na dor profunda que dilacerava aqueles pequenos corações, Deus explicitava todos os porquês indizíveis pelos quais tanto anseia a alma humana.