HISTÓRIAS BRASILISTAS DE "EX"

COM "H" - HISTÓRIA - narrativas factuais, isto é, de realidades concernentes a uma pessoa, um país ou ao mundo.

COM "E" - ESTÓRIA - palavra muito antiga, talvez do século XIII - no uso atual, designando ficção, ainda que tenha base na realidade.

EX (pronúncia 'ês' e não 'équici') - prefixo latino, ideia de separação ou afastamento - conotação pejorativa para dizer 'pessoa antiga, do passado' - melhor dizer 'antigo namorado, antigo vizinhio', 'antigo político'.........

DÉCADA DE 60, antes de 1964, inverno - Guarujá, São Paulo. Narrativa da memória da idosa:

ELA-----RIFKA era uma mulher muitíssimo culta, fluente em quatro idiomas, eterna leitora, discutia assuntos superiores, judia interessada em personagens e acontecimentos universais, porém teoricamente sozinha num mundo particular - só a escutavam num tempo curto, ninguém assim tão interessado quanto ela nas histórias do mundo, nas estórias pessoais que vivera. Verdade documentada que escapara de Auschwitz, mas não trazia tatuagem e sua realidade soava como inverossímel. Viúva, morava em apartamento grande e um dos filhos sugeriu que alugasse um quarto apenas para ter com quem conversar. Veio um inquilino moço, professor de ciências em escolas secundárias, que por acaso tinha "mania" de judaísmo. Tivera um professor brasuca, mas que lhe inculcou a cultura judaica desde garoto. RIFKA o intitulou descendente de sefaradistas e pronto! Companhia em casa para aula de cultura? Não... porque o rapaz saía de casa muito cedo e regressava muito tarde, sabendo que a senhora o esperava às onze da noite com chá e bolo ou guefilte (bolinho de peixe). ----- Foi passar uns dias na casa da filha, mas esta não aguentou escutar novamente as estórias históricas sobre o 'quase' mitológico DAVI BEN-GURION (pesquise, caro leitor!). Sugeriu que a mãe fosse pegar sol na praia. Levou junto a pacientíssima cozinheira, coitada, que não entendia nada de nada, mas lhe admirava os gestos e a fala bonita. RIFKA andava escrevendo um paralelo entre LINCOLN e KENNEDY; arrumou o rascunho numa pasta de cartolina. Mesmo sob a grande barraca de lona, os olhos ofuscaram sob o sol fraco e desistiu de escrever.

ELE -----Um homem magro se aproximou, traje safári branco, óculos de grau, descabelado, tiques nervosos, cumprimentou-a com beija-mão e a senhora teve a sensação de conhecê-lo. Ele perguntou, ela falou sobre o trabalho interrompido, foi elogiada e confirmou ser estrangeira. Sendo sincero ou querendo agradar, ele disse admirar o povo judeu - tinha até muitos amigos o ADOLFO e muitos outros. Desiludido com o mundo e a humanidade. "Advogado, professor e algo mais", ele disse. Sabia assumidamente ser exibicionista, melodramático e demagógico, não precisando que lhe apontassem estas qualidades ou defeitos. Varria e mais varria... e a corrupção persistia. Sugeriu um uniforme, ninguém gostou, só ele usava. Proibiu rinhas de galo, maiôs cavados em desfiles de beleza e lança-perfume no carnaval. (O monólogo parecia estar caindo no surrealismo...) Condecorou ERNESTO......... Estremeceu. Não completou a frase e, meteoricamente, saiu andando sem se despedir, deixando em dona RIFKA um manto misto de piedade e incompreensão.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 22/04/2018
Reeditado em 22/04/2018
Código do texto: T6315633
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