CONTO MATERNAL
Hoje acordei com uma saudade infinita, acompanhada de uma dor que sempre estavam lá , esquecidas e amarrotadas junto a quinquilharias de um passado. É natal e do alto dos meus trinta e cinco anos, é a data que mais me dói. Sinto falta dela. Ah minha mãe. Ao lembrar seu rosto , o meu se humidece de saudade. Ainda consigo sentir sua presença em mim. Principalmente em dias como este. Sua bondade e generosidade e também , sua paciência ; inclusive com minhas distemperancias juvenis. As brigas com meu pai e com minha irmã mais velha. A última e pior, quando de sua morte, há cinco anos. Dois anos depois da do pai. Acho que ela foi encontra-lo. Droga! Fui covarde, sei. Mas não conseguia viver aquilo. Nós homens não sabemos lidar com a dor. Lembro ainda de suas palavras, mãe : "Sempre vivenciamos nossas dores olhando pra dentro. Para atenua-las, devemos olhar para fora." mas é difícil e minha irmã nunca entendeu isso ; aquela chata e arrogante. Tinha que parecer sempre tão rígida e forte. Como pode? Como consegue? Chamei-a de iceberg. Idiota...eu sou um idiota. Parece que aquele menino impertinente nunca se foi. Ficou guardado ali, agachado e acabrunhado com outras dores e perdas, a chorar baixinho. Eu o sinto agora, como sinto aquele cheiro de bolo de milho que só ela sabia fazer, pras noites de natal. Mãe ! Porque se foi? Sinto tanto sua falta. Sinto....seu perfume...o cheiro do bolo...aqui, agora....será ?
Desço as escadas correndo e coração batendo. Mas é impossível! Ela se foi.
Entro na sala e dou de cara com aqueles olhos gentis me fitando húmidos de saudade e com o bolo do lado, a mesa,tão belamente ornada como antigas noites natalinas. Ela me fitando. O mesmo olhar. Não minha mãe ; minha irmã , dizendo : estou com saudades.
Percebo que ela nunca se foi. Sempre esteve aqui; em cada parte nossa. Eu é que não olhei pra fora.