DINGOOLS
A cada nova manhã um desafio. Tudo o perturbava. O detetive Dingools acordava cedo. Repetidas vezes sua rotina permanecia inalterada. Todos os dias as mesmas práticas, hábitos e afazeres no mesmo instante e hora exata do dia anterior. A cada por do sol o detetive ausentava-se de suas atividades para observá-lo. Era lindo e confortável aquela imagem do fim da tarde. Recolocava suas luvas e continuava o serviço de sempre. O detetive mantinha no seu cotidiano uma prática pouco peculiar. O seu trabalho era árduo. Mantinha-se quase que o dia todo em um mesmo ambiente, sem conversar com ninguém do recinto. Quando questionado sobre o que fazia naquele dia ele se limitava a resposta "faço o de sempre, meu caro". Nunca ninguém entendia nada, ademais conotava uma figura do século passado. Seus trajes, pertences e linguajar conferiam a ele uma reduzida ideia sobre sua personalidade.
--- Bom dia senhor Dingools! --- diz a recepcionista do arquivo público de sua cidade sabendo ela que não obteria resposta, apenas um cumprimentar sutil realizado sempre com a cabeça.
Todos ali pensavam que sua profissão assemelhava-se no mínimo a de um professor aposentado. Procurando o que fazer. Em busca de alguma resposta deixada nos documentos do arquivo. Detetive Dingools nunca se importou com a maneira como o olhavam no arquivo. Nunca viu a necessidade de se declarar isso ou aquilo para os demais sendo que sua visita era um direito reservado por lei de acesso e total disponibilidade das informações de qualquer documento daquela instituição de preservação da memória. Dingools sempre se dirigia ao mesmo arquivo de processos crimes e continuava sua leitura detalhada a partir da página que parou no dia anterior. Sua rotina era rascunhar seu bloco de notas que carregava sempre junto ao bolso interno de seu sobretudo. Dingools amava seu sobretudo. De todos os esteriótipos existentes, este sempre fez questão de tapar os olhos.
Ao final do expediente do arquivo, com olhos cansados, ombros baixos e curvados, passos lentos e rasteiros, buscava por seu bloco de notas e se retirava do recinto como fosse moribundo as entregas. Sua paixão após um dia de trabalho exaustivo era chegar em casa, por dois ovos para ferver, passar um novo café pois aquele que havia sobrado da manhã estava choco e frio. Retirar suas vestes permanecendo apenas de calção e camisa, vestir suas chinelas de borracha, repousar em sua poltrona ao lado do seu toca disco e ouvir o belo chiada da agulha em contato com vinil. Sua casa permanecia sempre fechada, adiantando fofocas e fuchicos na vizinhança. Segundo ele havia escolhido o bairro errado. Deveria ter escolhido um bairro com vizinhos jovens, pois esses não desperdiçam energia cuidando o passa a passo da vida alheia. Mas o seu último dinheiro, o bastante para chamar de dinheiro, lhe restringiu a compra daquela velha casa onde por último havia morado um casal de idosos. Portanto o ar que Dingools respirava era o mesmo daquele último suspiro, da ora que sabemos quando não há mais nada a ser feito se não abandonar o leme e deixar que o barco siga sozinho rumo ao horizonte desconhecido.
Após os ovos e o café novo prontos, buscava sentar-se junto a mesa da cozinha a qual mantinha uma cadeira apenas, todas as outras foram dispensadas, pois ali ninguém o visitava. Feita a refeição mais saborosa do dia era vez de seguir com seu trabalho intenso, porém a partir de agora o seu dia valeria a pena. Somente após sua refeição, junto a sua máquina de escrever passava alimpo os principais momentos do seu mais novo romance policial. Suas pesquisa exaltavam a sua imaginação para elaboração dos seus contos e passagens de detetive. Uma coisa é certa. Todos aqueles que pensavam que o senhor Dingools procurava algo nos arquivos, pensavam certo. Mas não saberiam dizer pelo o que procurava. Nem mesmo Dingools saberia responder. Mas era óbvio que o detetive Dingools procura encontrar a si mesmo naqueles velhos processos crimes.