DAVI, O ASTRONAUTA APAIXONADO

Davi era o único morador da lua. Ele estava sentado numa pedra..., a única que havia por ali, num formato que lembrava bem uma cadeira. Não era confortável... sua bunda doía um bocado, mas... o que é mesmo uma dor no rabo quando você está esquecido num montão de areia morta, sem ter o que fazer, aguardando um socorro, um contato, qualquer coisa?

Se levantou devagar. Tudo era sempre, e incrivelmente e tortuosamente devagar o tempo inteiro. Ele foi pulando em câmera lenta até alcançar a porta daquela sucata que ele chamava de foguete, nave, lar.

Sentou no seu lugar e ficou esperando. Observando o Planeta Terra de longe. Fechou os dois olhos e lembrou de seu último dia, antes da viagem.

**********

- Somos amigos Dadá... há uns vinte anos. Acho que não dá certo a gente misturar as coisas agora.

- Baby, se não misturarmos as coisas agora, acredito que não misturaremos coisa nenhuma, nunca mais!

Tati era uma moça daquelas que a gente não espera conhecer. Daquelas que a gente acredita que só existem no cinema ou coisa assim.

Era uma morena caramelada, magra, porém cheia de curvas, curvas que se encontravam com seu cabelo longo. Ela parecia uma índia, e ao mesmo tempo tinha traços de africana, e um rosto fino de européia. Era um tipo de pessoa que fazia você ficar encarando sem querer encarar. Quando você fica querendo provar a si mesmo que é um cara moderno e feminista e uma mulher passa e você não consegue deixar de ser um tarado que não para de medir todas aquelas curvas... enumeras curvas, curvas a se perder.

- Você sabe que sinto algo por você Dadá... – Ela disse. – Mas você demorou demais, você sabe... “a zona da amizade” e tudo o mais... você sabe mais de mim do que qualquer amiga minha, e até mesmo meus pais!

- Conhecer você demais é motivo pra você não querer ficar comigo?! Você é muito esquisita, baby...

Eles se olharam, Davi estava sério, Tati tinha um meio sorriso no rosto, mas os olhos estavam cheios de lágrima e vermelhos.

- Não é como se você não fosse voltar... todos voltam...

As lágrimas desceram por sua bochecha lista, se alojando no cantinho de sua boca. Davi encarava a sua boca, e seus olhos acabaram por se inundar também. Tati estendeu a mão, eles se levantaram e deram-se as mãos, continuaram o passeio pela praça redonda. Crianças brincavam aos gritos num parquinho surrado, enquanto suas babás não tiravam os olhos dos seus celulares.

**********

Alguma coisa aconteceu... o que? Davi se perguntava. Ainda tinha oxigênio e comida enlatada para mais umas duas semanas se conseguisse se controlar um pouco mais. A ansiedade e o tédio lhe deixavam com a boca nervosa. Sentia uma fome terrível.

**********

Estava parado na porta do apartamento da Tati. Ela parecia mais linda do que sempre. Davi sentiu que aquele momento era o último... a última chance de tê-la, não apenas como amiga, mas como o que ele sempre quis que ela fosse. O amor de sua vida.

- Não quero te manipular... mas é que...

Ela segurou as duas mãos de Davi. Seu rosto estava vermelho de tanto chorar.

- Diga, Dadá...

- É uma sensação que eu tenho, de que não vou voltar... pra cá. Não sei... tenho sonhado com isso... é terrível.

- Não quero ficar com você por medo de algo acontecer, Dadá... eu vou esperar você chegar. E quando você voltar, talvez, se você ainda quiser... tudo pode ser diferente...

**********

Retornou a sua cadeira de pedra e se sentou..., pois sua bunda parara de doer.

- Um contato, qualquer coisa... um abraço, um murro... uma cutucada... qualquer coisa... – Davi sussurrava incessantemente. – “tudo pode ser diferente...”, ela disse... “se você ainda quiser... tudo pode ser diferente...”.