Se a vida é se foder, então foda-se!

Até eu me intrigo em ser tão Rodrigo. Sempre andei meio atrapalhado tentando me reconhecer. Sou gordo e possuo os dentes desalinhados. Não quero ser eu. Não quero... Grito e escondo o rosto de mim mesmo. Do monstro que sempre apontaram o dedo e julgaram como desleixado. Acho que quando eu nasci um anjo gordo, bem afetado veio e disse: vai Rodrigo, desce e arrasa! Pronto, eis aqui uma bicha gorda... Um Sancho Pança a enfrentar mil moinhos. Mas que não vão triturar meus sonhos. Não vão, não!

Quando consegui meu primeiro emprego bom, a primeira coisa que fiz foi ir ao dentista: seu caso é cirúrgico. Puta que pariu, pensei. Tenho um problema no maxilar e preciso fazer uma cirurgia ortognática. Devagar estou tentando deixar tudo no esquema para fazer essa merda.

Outra coisa: sempre tentei de tudo pra emagrecer. Mas eu nunca tive muita parcimônia. Até nos exercícios físicos eu exagerava. Caminhava até, literalmente, sangrar. É sério! Fizesse sol ou chuva... Ou fechava a boca pra valer. Por um tempo até dava uma murchada, mas não aguentava manter e de repente inflava de novo, inchava que nem um sapo boi. Essa droga de ansiedade que me acompanha a cada taquicardia.

Fiz análise por um tempo para tentar descobrir o porquê da compulsão alimentar. Descobri que isso vinha da infância. Criei fobia de comer em público quando era zoado na escola, então quando tinha a oportunidade de comer sem ninguém me ver, eu comia tudo o que tinha direito. E assim fui engordando de quilo em quilo até virar o Shrek que sou hoje. Também tinha medo de ficar fome, porque mesmo com hipoglicemia eu não comia na frente de quem quer que fosse. Então comia mesmo estando saciado só para não sentir fome depois. E por muito tempo eu fui assim, comia escondido e depois chorava escondido. Tudo compulsivamente.

Fui em uma médica que me receitou subitramina. Emagreci horrores. E nos meses em que a tomava me tornei o próprio médico e o monstro. Eu vivia inconstante e sem apetite nenhum. Mas o que importava era que eu estava emagrecendo. Às vezes acordava amando a todos e a tudo, às vezes só queria que alguém falecesse um pouco. Precisei parar de tomar porque fui diagnosticado com distimia e o remédio agora era outro. Engordei tudo novamente. E os quilos que tinham ido embora voltaram com companhia.

Outra coisa que me assombra é minha família, que nunca foi de margarina. Meu pai sumiu no mundo. Ele ajuda financeiramente um pouco ainda, mesmo distante. Minha mãe é uma pobre coitada que quer viver como uma dondoca, e o pior: com o meu dinheiro. Porque ela mesmo não trabalha, e quando trabalha se endivida até o pescoço que o salário ainda falta. Meu irmão um irresponsável, que mesmo desempregado insistiu em ter um filho, sendo que só eu sustento a casa. Mas estou me tornando ruim, na visão deles. Parei de insistir em procurar meu pai, e enquanto ele não me procura, taquei o foda-se. Minha mãe veio me pedir pra eu pegar mil reais emprestados no banco, e eu disse que não. Falou que ia pegar com um agiota, e eu disse: foda-se! Falei pro meu irmão que não iria sustentar mulher e filhos dele, que era pra ele arrumar um emprego e uma outra casa. Teve que pedir pra mulher ir para casa da mãe enquanto estava desempregado, eu disse: foda-se! A família do meu noivo não aprova nosso relacionamento por conta de preconceito, só mais um foda-se.

Eis-me hoje aqui, na fila de uma bariátrica onde o hospital recebeu uma ordem de despejo por não ter pagado o aluguel. Estou meio inseguro, meio corajoso... paradoxo de mim. Mas eu preciso me reconhecer. Eu preciso gostar de ser eu, encontrar minha identidade, me encontrar dentro desse monte de banha e por trás desse sorriso torto amarelo. Eu preciso ser filho, irmão e noivo, e não a figura de um pai. Se aprendi uma coisa com tudo isso, é que eu sou um fodido, e já que não importa o que se faça não há como não se foder, então FODA-SE!

Rodrigo Amoreira
Enviado por Rodrigo Amoreira em 01/04/2018
Reeditado em 01/04/2018
Código do texto: T6296972
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