COMO A CULPA É MINHA?
(Conto inspirado na música homônima de autoria da banda Torpedo)
Eu ouvi a voz dela no telefone com o viva-voz ligado.
- Amor, você está ai? – Ela disse. Seguido do barulho característico dos telefones Nextel.
- Meu amor, tudo bem? – Ele respondeu.
- Tá, tá tudo bem.
- Nossa, adorei a noite de ontem. – Ele continuou.
- Você gostou? – Ela respondeu, com uma voz que eu tive impressão de reconhecer.
Fiquei escondido atrás da parede para ouvir melhor a conversa, e observei enquanto ele andava pela sala falando ao telefone, sem saber que eu estava perto.
- Foi maravilhosa... Aquela sua lingerie vermelha...
- Para amor... – Ela sussurrou e gemeu, como se estivesse presente no momento.
- Foi demais... adorei, quero você outra vez.
Foi nesse momento que eu me perdi em minha raiva, sabendo exatamente de quem se tratava a mulher do outro lado da linha.
Saí de onde eu estava escondido e o confrontei.
Ele tentou disfarçar e me cumprimentar, mas aquela cena só serviu para me irritar ainda mais.
O empurrei para longe de mim e ele respondeu.
- O que é isso cara?
- Eu percebi com quem você está falando no telefone – Disse-lhe, apontando o dedo em sua direção.
- O que é isso, cara? - Ele repetiu. – Tentando insinuar que aquilo tudo era coisa da minha cabeça.
- Pensei que você fosse meu amigo. – Foi tudo o que consegui dizer, antes de virar as costas para ir embora.
Ele ficou lá com cara de cínico, com o celular na mão. Talvez se rindo de mim por dentro, se sentindo mais homem do que eu por ter me enganado.
Eu já não sentia raiva, só nojo e um desprezo borbulhando dentro de mim. Voltei para confrontá-lo e vomitei tudo o que estava me engasgando a garganta.
- Pensando bem, vocês se merecem. Mas a sua história não vai acabar bem. Pois aqui se faz, aqui se paga, e ela foi influenciada, por causa de uma amiga.
E já agora eu vou ligar pra ela. E dar a notícia que ela tanto espera. Que ela tá livre como um passarinho, pra poder ficar contigo.
Ele ficou me olhando, sem ter o que dizer. Eu o encarava e via um verme, um inseto, uma barata. Rasteiro... Incapaz de falar qualquer verdade.
Dessa vez tomei o caminho da rua e peguei o telefone. Digitei o número dela, que logo atendeu.
- Baby alô.
- Oi amor – Ela respondeu
- Tudo bem contigo?
- Tudo bem.
- Só liguei perguntar se foi divertido...
- Divertido?
- Me trair.
Ela sequer respirou ou demonstrou surpresa. Respondeu imediatamente como se fosse inocente.
- Te trair amor? Eu nunca te trai.
Interrompi o que ela dizia, enojado pela situação. E por saber que tinha dividido minha vida com uma pessoa tão suja quanto ela. Sem paciência para continuar com aquilo, gritei no telefone.
- Cala tua boca, pois eu estava aqui, quando ele te falou da lingerie... a mesma que eu comprei pra ti.
Ela silenciou do outro lado e eu continuei.
- Tanto que te dei, e te confiei... Onde que eu errei? Sua ingrata!
- Olha, não fala assim comigo, a culpa é sua de tudo que tá acontecendo
- Como a culpa é minha? Como a culpa é minha? – Gritei.
Ela se manteve calada. Não sei se por cinismo ou por culpa. O que me fez me sentir ainda pior do que antes.
-Explica, explica agora, Explica já, explica agora...
Mas nada...
Não havia explicação,
Ela não tinha nenhuma palavra e desligou o telefone para não ter que ouvir as minhas.
Fiquei apenas com o celular mudo nas mãos, e com uma questão irritante na cabeça.
Como a culpa daquilo tudo poderia ser minha?
Como?
Rômulo M. Moraes Filho
Da série que eu estou iniciando - CONTOS DO BREGA E DO FORRÓ - onde eu tentarei transformar as músicas que grudam em nossa cabeça, em microcontos.
Esse é o primeiro.