A Força do Imponderável

O sopro morno da brisa de outono aquece-a por dentro e por fora. Sentada embaixo da sombra de uma amendoeira ela lê um livro enquanto seu amigo virtual não chega. Haviam marcado nesse exato local da praça ao meio-dia de sábado para se conhecerem pessoalmente. Foram duas semanas de conversas animadas e ela estava ansiosa para conhecê-lo. Será que ao vivo as boas impressões se confirmariam? Tantos elogios e opiniões em comum haviam aguçado a curiosidade dela e feito com que sua imaginação voasse.

A despeito de todas os comentários ruins sobre relações de internet ela foi ao encontro dele por ser o lugar público. O que teria a perder? Levou seu livro para melhor passar o tempo, um romance, uma garrafinha de mate e uma maçã.

Crianças brincaram ao seu redor, outros casais encontraram-se, passarinhos trinaram felizes nas árvores, idosos jogaram dominó enquanto ela devorava seu livro, seu companheiro nessa tarde linda de outono. Nem sentiu quase a espera tamanha foram as sensações que lhe roubaram os sentidos e a ansiedade.

Já não havia mais espera. O sonho do romance concreto volatizou-se enquanto a tarde encerrava-se em belos tons alaranjados e azuis. O livro chegara ao fim enfeitado pelas primeiras estrelas despontando no horizonte. Houvera sido um dia belo, produtivo e quase feliz, não fora a falta de quem não pertencia mesmo ao seu mundo e assim quis o Universo que o fosse, o amigo virtual não a prestigiou com sua presença. A esfera virtual havia os unido e desunido, porém o real, que é o verdadeiro porvir, a aguarda em cada passo de sua trajetória e em cada esquina de sua vida.

No entardecer ainda foi possível observar um rapaz bem trajado aguardando o mesmo ônibus enquanto avidamente devorava as últimas páginas do livro que ela acabara de terminar, “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal. Timidamente ela sentou-se ao seu lado e mostrou seu exemplar, balbuciando - Acabei de ler, quanta coincidência... e o rapaz levantou os olhos e disse: - Eu adoraria debater a história com a senhorita, vamos a um café? Muito prazer, sou Rodrigo. Ela se apresentou como Nicolette e a vida seguiu seu rumo sem a necessidade de bits e bytes.