O Cliente

Eleanor o observava com atenção. O café ainda estava quente quando desceu pela garganta dele, mas ele mal pareceu notar o ardor incômodo; o sanduíche de queijo estava com uma aparência estranha quando ela o serviu, mas ele o comeu sem parecer sequer tomar conhecimento de seus próprios movimentos. Esquecer o mundo ao seu redor parecia comum e agradável, e naquele momento, enquanto erguia a xícara pela segunda vez e bebia o líquido escuro em curtos goles, pareceu fazer com que relaxasse os ombros.

Arthur mantinha os olhos fixos na janela, do outro lado da cafeteria, e deixava que seu olhar se perdesse atrás dos óculos redondos. Era quieto, quieto demais, sentado à mesa mais escondida, e mascarado pela pouca luz do ambiente. Discreto em suas ações, por vezes sorria sozinho - um levantar acanhado de lábios finos. Eleanor não conseguia lembrar de um único momento momento em que estivesse acompanhado ou buscando entretenimento em qualquer outra coisa que não a janela do outro lado da cafeteria.

Aquilo lhe causava certa estranheza e, mais de uma vez, Eleanor se perguntou o que havia de tão especial em um alto prédio antigo e desgastado e uma rua pouco movimentada. Tentou, ela mesma, passar alguns minutos olhando para a janela e enxergar através do vidro manchado, mas não tinha nada tão interessante do outro lado e por fim ela apenas se deu conta de que estava perdendo preciosos minutos de trabalho.

Arthur não falava muito. Poucas foram as vezes em que se dirigiu a ela e quando o fez, foi apenas para que anotasse seu pedido - o mesmo de sempre. Usava poucas palavras e as pronunciava com calma, não a olhava diretamente nos olhos e se remexia desconfortavelmente na cadeira. Se era tímido ou reservado, Eleanor não sabia. Descobrira o nome dele através de outros clientes, provavelmente colegas da mesma sala, que o reconheceram e acenaram de longe, chamando-o para que se juntasse a eles. Mas tudo o que ele fez foi responder com um breve aceno e voltar a encarar a janela.

Era curioso que o notasse todos os dias e que sentisse a necessidade de observá-lo. Ele não era o tipo de pessoa que se destaca em uma multidão e muito menos fazia seu tipo para que se sentisse atraída. Alto, magro, com cabelo curto e claro, e olhos castanhos, Arthur era totalmente o contrário daquilo que Eleanor julgava atraente. Extremamente calado e introspectivo, era o oposto do que definia como interessante. Mas Arthur possuía alguma coisa, algo que acionava um alarme em sua cabeça e a fazia encará-lo.

No dia seguinte, ele estava lá novamente, no próximo também. A semana acabava e ele ainda aparecia por lá. Sentava-se no lugar de sempre, colocando a mochila na cadeira vazia em frente a sua, do outro lado da mesa, e pedia uma xícara de café com leite e um sanduíche com queijo. Comia devagar e bebia o café lentamente, sempre olhando através da janela.

Na sexta-feira, quando ele apareceu novamente, era a vez de Eleanor atendê-lo. Era, como sempre, um dos primeiros clientes a aparecer. Ela ainda terminava de amarrar o pequeno avental vermelho à cintura quando se aproximou.

— O que vai querer?

— Um café com leite e um sanduíche de queijo - respondeu ele, de maneira curta.

A rotina era a mesma e como de costume, ela deveria acenar brevemente com a cabeça e fingir anotar seu pedido no caderno, sabendo que ainda lembraria-se de seu pedido mesmo que não o escrevesse. Mas novamente aquela sensação acionou algo em sua mente e fez com que ela se virasse repentinamente. Voltou-se para ele e o encarou nos olhos por um longo tempo, abrindo e fechando a boca, sem saber o que dizer.

Algo pareceu acender em seus olhos, um brilho que Eleanor não sabia justificar. Arthur a encarou ansiosamente e ela conseguiu ler em seu rosto certa esperança, uma ansiedade para que ela prosseguisse. Algo ainda gritava em sua mente, um aviso que Eleanor não era capaz de descrever. Alguma coisa não estava certa ali, existia algum abismo entre sua percepção e o que realmenre estava lá para descobrir.

Minutos se passaram e a situação se tornou constrangedora, até ela ouvir o pigarrear de seu chefe atrás de si e voltar correndo para o trabalho.

Na semana seguinte, Eleanor adoeceu e precisou ficar em casa. Isolou-se em seu apartamento e deixou o celular no silencioso, para que o barulho não aumentasse sua dor de cabeça. Dormiu profundamente na segunda, e na terça lutou contra as dores em seu corpo para conseguir levantar. Na quinta-feira, já estava de pé, em frente ao espelho, vestindo seu uniforme e arrumando o cabelo em um rabo de cavalo apertado.

O percurso de sua casa até a cafeteria era curto, portanto foi a pé. Abriu a porta da cafeteria com sua chave e ouviu um leve toque de sino. Afastou as cortinas das janelas e tirou as cadeiras de cima das mesas. Arrumou os cardápios e checou a quantidade de guardanapos. Depois, checando seu relógio de pulso e contando os minutos para que seus primeiros clientes aparecessem, inclinou-se sobre o balcão de atendimento e aguardou.

Arthur não apareceu naquele dia e sua mesa permaneceu vazia durante todo dia. Na sexta-feira, Eleanor também não o viu e apenas o mesmo vazio, que criava um buraco no cenário familiar. Ele não apareceu nos dias seguintes e algo apertou seu coração.

Não pretendia perguntar, sequer se envolver. Não seria extraordinário se ele parasse de frequentar a cafeteria. Mas não estava certo, algo não se encaixava.

Eleanor engoliu em seco e se aproximou de uma das garçonetes que contava a gorjeta que ganhara.

— Alice - chamou, e quando a menina ergueu os olhos azuis para ela, Eleanor continuou. - Você tem visto aquele menino que sempre sentava na mesa cinco?

— Ah, você não soube? - Perguntou ela, com uma apatia que fez o estômago de Eleanor se revirar. - Ele se jogou do prédio aí em frente.

ThemisMagalhães
Enviado por ThemisMagalhães em 26/03/2018
Reeditado em 28/02/2024
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