1035-NAURU A ILHA APRAZÍVEL- Relatório de viagem
Nosso barco havia partido de Brisbane, que fica na costa leste da Austrália, com destino à ilha de Nauru, distante 3.350 quilômetros ao norte. Equipado com aparelhos para fazer medições geológicas e avaliações do solo, o “Robin-5” cortava as águas do oceano Pacifico com rapidez, mas, mesmo assim, tínhamos longas horas de viagem pela frente.
Sou chefe da equipe de estudos da organização “Planet Rescue” que em português pode ser traduzido como “Resgate do Planeta”, uma ONG que tenta amenizar as catástrofes ecológicas causadas pelo homem.
NAURU é uma pequena ilha situada no Oceano Pacifico, isolada do mundo. Seu contato mais próximo com o mundo é a cidade portuária de Brisbane, de onde havíamos partido.
É uma ilha muito diferente das famosas Ilhas do Pacifico Sul, pois 90% de sua superfície é depósito de fosfato a céu aberto – fosfato indispensável para a adubação de terras.
Havia me informado previamente a respeito de NAURU, através de alguns relatórios oficiais do nosso escritório central em Tóquio. Querendo saber mais, abri meu laptop e passei a comparar as informações mais recentes com as do relatório.
Onde está esta NAURU?
É uma pequenina ilha no Oceano Pacifico e faz parte da Oceania. Está longe de qualquer lugar no mundo, um ponto no meio do oceano, pois a ilha mais próxima é Banaba, também outro ponto no mapa, distante 300 quilômetros a leste. Nauru tem uma área de vinte e dois quilômetros quadrados e o significado de seu nome no idioma de uma das doze tribos que habitavam a ilha, é Ilha Aprazível.
Brisbane, na Austrália, é o local de referência mais próximo, e como já disse, fica a 3.350 quilômetros. A viagem de avião dura cerca de quatro horas.
Resumo histórico de NAURU.
Nauru tem uma história conturbada: descoberta pelos europeus em 1798, foi colônia alemã, passou a ser governada pela Austrália, tornou-se um mandato concedido pela Liga das Nações sob a tutela da Austrália. Ocupada pelo Japão durante a 2ª. Guerra mundial, em seguida passou a ser protetorado das Nações Unidas. Situação que permaneceu de 1945 a 1968, quando, finalmente adquiriu sua independência.
Por sorte ou por azar, a ilha toda é uma imensa mina de fosfato a céu aberto, um manancial do fertilizante agrícola, cuja exploração tinha custo muito baixo.
A exploração do fosfato vinha sendo feita há mais de cem anos, em escala moderada e com resultado satisfatório para o pequenino país e sua população de 10.000 habitantes à época da independência.
Com a independência, intensificou-se a extração do fosfato, tendo sido criada a empresa estatal Nauru Phosphate Corporation. A partir de então a degradação da ilha tem sido acelerada.
Sendo de pouca altitude, suas áreas de fosfato foram escavadas até abaixo da superfície do oceano, que inundou grandes extensões da ilha. Em 2000 a extração de fosfato tornou-se antieconômica, pois quase todas as áreas de exploração estavam sob as águas salgadas do Oceano Pacífico, restando apenas um platô central onde as escavações extraem o fosfato a céu aberto. A ilha está sendo “raspada” e esburacada a fim de se extrair mais e mais fosfato.
Segundo cálculos de geólogos das Nações Unidas, a continuar nesse ritmo, em 2030 não terá mais mineral a ser raspado e a ilha perderá 80% de sua área para as águas do oceano.
Por esse motivo a organização “Planet Rescue” se interessou pela ilha, a fim de ajudá-la a equilibrar o seu ambiente.
A primeira visão da ilha é dramática.
A ilha é cercada por recifes de corais, que em alguns lugares, se projetam em colunas de mais de cinco metros de altura. Vistas de longe, parecem pontas de uma muralha submersa. Uma visão surpreendentemente tétrica.
Nosso barco passou por um canal entre tais colunas, devidamente marcado a fim de evitar acidentes. Atracamos no porto entre dois grandes navios de transporte de fosfato.
Estávamos em Yaren, que é um distrito ao sul de Nauru. Pequena cidade, pouco mais do que uma vila, onde estão os prédios do governo, sendo por isso tida como “capital” do país.
.Fomos recebidos por uma senhora imensa, alta e gorda, morena queimada pelo sol, cabelos longos e negros, trajando a roupa típica: um sarong que expunha suas costas amplas e ombros fortes. Calçavas sandálias conhecidas no mundo inteiro como “sandálias havaianas”, de um tamanho descomunal, pois os pés eram gigantescos. Em inglês com sotaque australiano, nos disse:
— Sou miss Dorothy e serei o contato de vocês para o pessoal administrativo e do governo. Têm toda a liberdade para visitar a ilha. Podem tirar fotos, não serão molestados em lugar algum. Este jipe (apontou para um jipe surrado e sem capota) está à disposição de vocês. Serão acomodados em duas casas dos nossos Escritórios. As refeições são no restaurante ali atrás (e apontou com o dedo grosso e gordo) para um barracão pintado de amarelo.
As acomodações não eram luxuosas, pelo contrário, acho que merecíamos melhores. Pela experiência, sabíamos que o conforto oferecido era proporcional ao respeito e a importância que as autoridades têm pelos visitantes. Ou seja, ficamos sabendo de antemão que o governo e as autoridades não nos davam muita importância.
Era cerca de duas horas da tarde. Antes de ocuparmos as casas disse aos companheiros:
— Pessoal, vamos nos reunir dentro de uma hora para um lanche e um giro pela ilha.
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NAURU é uma ilha coralífera, ou seja, formada pela afloração de coral na superfície do oceano, como, aliás, a são ilhas e ilhotas espalhadas pelo imenso Oceano Pacífico.
Na sua orla vivem os habitantes, residentes nas dezesseis vilas. E ela é totalmente rodeada por recife de corais, distantes da praia entre duzentos e quinhentos metros. O interior da ilha, um platô que se eleva a 60 metros, é desprovido de vegetação, devido ao alto teor de fosfato, sua riqueza que está levando à sua destruição.
Os poucos habitantes das vilas são os nauruanos mais velhos, que teimam em permanecer no local. Os jovens já saíram a muito da ilha. Cada vila corresponde a uma tribo com poucas coisas em comum.
Não há turismo, não tem nada mais do que fosfato para exportar e só uma pequena praia de areias amarelas pode ser frequentada. Uma laguna no interior existe água poluídas pelo fosfato e não se presta a nada.
Pelo perímetro corre uma estrada de asfalto que pode ser percorrida em apenas uma hora por carro.
Nos quatro dias em que permanecemos na ilha, percorremos de norte a sul e de leste a oeste, a pé ou no jipe velho. Fizemos levantamentos, mapas e croquis, a fim de orientar relatório para “Planet Rescue”.
Aqueles dias foram bastante para sentirmos a rejeição e má vontade dos funcionários para com nosso trabalho e nossa presença.
Nauru vai desaparecer do mapa
A Ilha Aprazível, como era conhecida Nauru antes da exploração do fosfato, não existirá mais por volta de 2.050.
As áreas em que a exploração cavou o solo abaixo do nível do mar estão sendo alagadas e corroídas pelas ondas. O platô central ainda está sendo escavado, para retirada do sal mineral e há locais inundados. O solo não é cultivável e os habitantes remanescentes dependem de importação de gêneros alimentícios.
Grande parte da população – todos os jovens e os trabalhadores que não têm serviço — já saiu da ilha.
Num desastre ecológico e que deveria servir de exemplo para o mundo, pouco a pouco o oceano tomará de volta, onda após onda, a que foi um dia chamada de Ilha Aprazível.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 28 de novembro de 2017.
Conto # 1035 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS.