Uma Escola para o Inferno
Primeiro Capítulo
Meu nome é Rimaldi Verona. Sou professor de ensino primário da escola municipal de Alegre Murtinho. Municipío de imensas terras para poucos. Preciso desesperadamente trocar de profissão. Finjo que estou inteiro, todavia estou procurando emprego novamente. Procura silienciosa, sigilosa. Para não enlouquecer vou até a Vila Formosa, caminho pela Praça Ipiranga, tomo café no Bar do Zé Pereira, este velho e bom dono de bar, que se chama na verdade Alfredo Borba de Alcântara. A casa de comércio rebatiza muitas vezes o dono. Caminho pelas ruas de Alegre Murtinho fatigado, triste e com medo de ser exonerado. Desejo progredir de professor para alguma coisa que me permita vida e liberdade.
Hoje furtei-me as minhas obrigações profissionais devido a forte gripe, além de indisposição mental para falar noventa minutos sobre a Revolução Farroupilha. Apontaria Antonio de Souza Neto como vilão. Foi dele a ideia de separar o Rio Grande do Sul de um Brasil de todos. Gostava mesmo era do Marechal Soares Andréa que acabou com as intenções da República Juliana, sufocando a Cabanagem, resolvendo situações de alta complexidade dos limites, fundando Santa Vitória do Palmar. Doente e fraco precisava arrumar médico para comprovar minha estagnante gripe. Ocorre que médicos cobram caro suas consultas, mas valia perder o dia do trabalho do que requisitá-lo. Justo quando estamos doentes cortam o auxílio refeição.
Na segunda-feira quando voltar estaria me esperando a punição diante dos olhares dos colegas que trabalham doentes como heróis. Estes acabam sem habilitação dando aulas que não estão destinadas pelo edital que referencia suas funções. Muitos com a mesma carga horária que tenho ampliam seu tempo de trabalho com novas gratificações. Olham para mim com desprezo, dizem que não gosto de trabalhar. Vendem suas almas pelo preço mínimo. Prefiro atuar apenas dentro das minhas funções para não tirar emprego de quem necessita trabalhar. Colegas com a mesma carga horária ampliam suas funções para ganhar mais. Para administrações políticas é dinheiro ecomizado na educação. É um mistério para onde vai o dinheiro da minha ausência.
Penso em Joca Rivero que perdeu uma rara chance de trabalho na vida porque fora impedido pela diretora Libória Mattos de utilizar a palavra escrita em suas aulas de história. Ele professor formado em História lecionava para escola interiorana que ficava em Currais do Trigo; trinta quilômetros da Cidade Média. Joca Rivero fora impedido pela diretora, Libória Mattos de utilizar a palavra escrita em suas aulas de história.
A última vez que vi Joca Rivero estava em fila caminhando nesses passeios que fazem ao sol os alienados. Atravessei a rua. Fiz que não lhe vi. Figura que detinha os mais altos cabedais do conhecimento histórico. Pateticamente tímido, solitário, vivendo numa casa grande com cinco viúvas arcanas. Nenhum prazer, nenhuma sensualidade, apenas a cantilena das orações tristes de Cristo crucificado. Os alunos endiabrados recusaram-se ao trabalho da escrita. Houve uma revolução contra ele. Somente para evitar a escrita.
Alterou-se com a diretora Libória Mattos, espírita, impregnada de almas mortas e vivas em seu delírio chamativo.
- Bando de desgraçados intelectuais! Gritou Joca Rodrigues na sala da diretoria. Exclamou cinicamente com um desabafo pesaroso, e que sabia, lhe custaria a rara chance de engrenar na carreira profissional.
Tentou explicar que a humanidade evoluiu quatro mil anos antes de Cristo exatamente pelo emprego da escrita. A história nasce da escrita. Buscou na Idade Média um aceno iluminista aquelas almas rudes, perdidas na fossa da escuridão perpétua da ignorância. Dona Libória Mattos, toda latifundiária, ocupando cargo político de suma importância, tomou aquele palavrório como acinte, caso verdadeiro de medida drástica. "Professor de história na minha escola, repeliu a diretora, não escreve em quadro negro, não utiliza giz, não utiliza apagador. Ele prega. Ele professa, ele é professor. Ele saliva suas horas aulas como eu quero.
Tal asnice velada com estupidez no trato e nenhuma fineza lhe valeu uma exoneração rápida e decisiva. Tudo isto passeava pela minha cabeça cansada de leitor ávido das coisas simples. Por azar nesse mesmo dia encontrou a douta ignorante diretora Libória Mattos próximo ao banco no ônibus velho indo parar em Praia Bela. Falando alto e decisiva como se ainda se mantivesse em cargo político. O mesmo cargo que destruiu o professor Joca Rivero. Olho sério para ela. Um olhar que esgana e desmonta. Revejo Joca Rivero inchado de remédios paralisantes, socado de drogas inutilizantes. Revivo com clareza o seu todo se arrastando na fila. Nessa fila que não passa de procissão de doidos buscando em vão o caminho da salvação. Esse zelo pela imitação da quantidade no campo intelectual é tolice apreciada historicamente. Muito praticada.