MEMÓRIA: LEMBRANDO O PASSADO...

Vocação nata ou desvocação?

ELA não sabia exatamente o que era, mas achava bonito aquele monte de gente - moças, rapazes, gente mais velha - escrevendo com caneta (para ELA, ainda somente lápis... ) ou mexendo na máquina de escrever (hoje seria computador...), outras máquinas que faziam contas, melhores e mais certinhas que a tabuada escolar e os problemas de 'solução raciocinada' e cálculos: "Tito comprou 5 ovos - 0,4 X 5 = 2,00 - pagou com 5,00 - 5,00 - 2,00 = 3,00 (Se não gastou o troco da MÃE em bombons ou sorvete perto da escola ou bolas de gude...) Resposta: Troco = 3,00." ----- E escrever sem precisar caprichar na letra... que a PROFESSORA exigia cheia de curvas, enfeitadinha, letra de banho tomado, sandalinha, com cachinhos ou tranças, e laço de fita de tafetá... ----- Acompanhara o PAI a uma companhia de seguros, a um escritório de advogado com secretária e meninote para serviços de rua e a outro empresarial muito grande, doces de frutas para exportação (?) /ganhou um goiabadão........./, jurando para si mesma "crescer e ser assim"... Não sabia muito bem o que era aquilo, se dava alegria do dores de cabeça, mas que era bonito, lá isso era, na verdade! ----- Os tempos passaram, curtos empregos eram entre "chatos", nada ou pouquíssimo satisfatórios, ainda não o ideal sonhado. ----- De repente, uma empresa de matriz sueca. Ma-ra-vi-lha! ----- Seção de controle e cobrança. Muitas responsabilidades. Perfeição absoluta em diversos setores. Correspondência comercial, a princípio inspirando-se em modelos anteriores, cópias arquivadas, em tempo curto já redigia sozinha e (eterna criativa, mesmo dentro da formalidade) cada próxima carta, agora linguagem própria, versatilmente original, bem diferente da anterior. Conferir o trabalho do faturista, rubricar dando visto. Contas a receber, trabalho diário - dar baixa nos recebimentos à vista ou a crédito mensal; montar mapas financeiros; parar a datilografia a meio, atender telefonema (geralmente o pessoal dos bancos); mexer na calculadora elétrica, retificar ou ratificar algum cálculo; voltar à datilografia; atender de longe um possível cliente ao balcão: "Caixa do outro lado do saguão, por favor, aqui é só o controle da cobrança." Máquinas outra vez. Telefone... de novo? Abrir correspondência (selos para sua coleção desde garota), responder. Arquivar. Desarquivar. Ligar para os bancos X, y, Z... Tudo praticamente simultâneo. Parar, voltar sem um único errinho... ----- Cobradores externos, em tagarelice de futebol às segundas-feiras, não davam lá muita atenção (na verdade, nenhuma: ah, homens!), vigiar se o calendário de parede estava na data certa, não podiam jamais cobrar de véspera nem misturar as cores de certos papéis - azul claro / verde claro ou amarelo / bege ou rosa / cenoura bem desbotadinha. Se um cobrador faltasse, mesmo sem ELA nunca ter ido a tal lugar (memorizava o que ouvia ou conversavam com ELA...), ensinar ao substituto o ônibus exato e '...apartamento acima da padaria, bem na esquina (observação eterna deste NARRADOR: por que padaria é geralmente de esquina?!), dar três toques seguidos de campainha..." ou "cuidado que o cachorro é brabo..." ou "identificar-se na portaria da empresa ABC com documento oficial". ----- Telefonemas para a oficina de montagem, outro Estado, e filiais de vendas (hoje chamadas franquias) ao longo do país. ----- Aprendeu expressões básicas em sueco - cumprimentar, agradecer, pedir licença para entrar na sala da diretoria. Num determinado dia, de fato se distraiu (odeia puxa-saquismo e bajulação... desconfia se a chamarem de "doce amiga", embora às vezes seja dulcíssima porque amiga fiel é sempre!) e inconscientemente foi trabalhar de saia azul forte e blusa amarela - gargalhada geral: cores da bandeira daquele país e de outros quatro nórdicos! ----- Recepcionista em fim de semana em feira insustrial no espaço do Museu de Arte Moderna... - solteira, não houve como esquvar-se. ----- Cinco anos. ----- Uns diazinhos em casa, mesmo gripe 'camosa', alguma febre, a chamavam de volta. "Não, você em casa, não!" ----- Sonhava (em verdade, 'pesadelava'...) com "Ilustríssimos senhores: Em atenção ao seu pedido........." ou "8% de 58721" ou "Brasília recebeu cinco máquinas" ou tentava dizer "boa tarde" em sueco (god middag) e agora misturava com inglês. Acordava angustiada, transpirando mesmo no inverno. ----- Às quintas-feiras, uma hora de filminhos variados no consulado norte-americano, em frente ao prédio do escritório. ----- Bornéu! Gostou da palavra e da descrição, terceira maior ilha do mundo... Pesquisou em biblioteca (antes de Internet): "Grande ilha localizada na Ásia, dividida em três partes - a maior meridional, pertencente à Indonésia, a setentrional à Indonésia e a menor ao Brunei." ----- Pediu falsamente curtas férias como quem vai ali e em três dias já volta saudosa para o mundo financeiro, capitalista, malvado... Avião KLM, companhia holandesa fundada em 1919 - na agência (pertinho do escritório e ninguém viu), anunciavam "50 países no mundo". ----- Sumiu!!! ----- Não sei se é LENDA. Há décadas só veste sarong colorido ou biquini vermelho (para ser reconhecida ao longe: na areia, na jangada ou no mar azul turquesa), flores no cabelo. Anda a pé, descalça ou usa sandália de tira larga, de repente pega carona em triciclos. Come arroz com leite de coco e peixe assado em folhas de babaneira ou coqueiro. Frutos do mar muitas vezes cru. Hidrata o corpo com água de coco ou caldo de cana. Guia os turistas pelos tradicionais templos e vulcões extintos. Explica sobre os lendários (?) e hoje 'quase' dizimados (escreveu semi assusradora encenação teatral!) cortadores de cabeça. Aprendeu idiomas nativos e o mais tradicional da ilha - fantoches de couro.

Enfim, ELA hoje é livre e feliz.

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LEIAM meu conto QUE JANTAR... "ZINHO"!...

HQ - URBANO, O APOSENTADO, de A. SILVÉRIO - ELE, saindo, pacote fechado na mão: "Tchau, Maria..." ELA, secretária do lar, vassoura na mão, olhar de desconfiança. ELE, pipa na mão, imaginariamente um menino: "Vou soltar pipa com a turma na pracinha!" / MARIA assobia e espana móvel da sala. ELE: "Cuidado com a minha máquina do tempo." Ponto de interrogação sobre ELA. ELE: "Esse projetor de 'eslaides' é ótimo." Na tela da parede, figura dele muito mais jovem, ainda não careca... / Sentado no banco da pracinha. "Tédio!" Aparece um rapaz com a frase na camisa, costas, 'Posso ajudar?' ELE: "Em 1986, blá blá blá......... / Cochilando: ZZZ. Acorda: "Tédio..." Telefone: Triim! Triim! MARIA: "Outro engano?" ELE: "Oba! Bom dia, Eugênio... Hoje vou te contar tudo sobre as minhas viagens. Em 1986........." / Na pracinha, cigana com bola de cristal: "Hummm... Vejo o futuro... fascinante..." ELE: "Minha caixa de recordações também é interessante! Este convite de 1989 blá blá blá........." / Casal jovem num barco-cisne, meio do lago. ELE: "Embarcação com defeito? Isso pode demorar... Não se preocupem! Vou contar um caso interessante! Em 1989, eu blá blá blá........." / ELE: "Venha,Maria... Está na hora do pôr-do-sol!" MARIA: "Agora?" ELE ante a tevê: "Filmei esse ocaso em 1989!' / ELE na pracinha: "Em 1991, blá blá blá... (Ouvinte imóvel e calado, dentro da barraquinha de sucos.) Adoro a calma deste vendedor de maracujá!" / Na cadeira dobarbeiro, ELE: ""Você gostade emoção, Joca?" BARBEIRO: "Adoro!" ELE, imaginando chão quadriculado em preto e branco: "No campeonato do jogo de damas em 1992, blá blá blá........."

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 06/03/2018
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