Legítima Defesa

Ana percebeu que já tinha bebido um pouco além da conta, e olhou para o relógio.

Estava mais tarde do que imaginava e começou a pensar em como faria para voltar para casa naquele horário. Se despediu das amigas, pagou sua parte da conta e foi andando para a parada de ônibus. O tempo foi passando e ela ficou sozinha no ponto. Não tinha dinheiro para voltar de Uber, e muito menos de taxi. Então, sua única opção era continuar esperando.

Um carro prata parou e baixou o vidro. Ana reconheceu o rosto de André, um dos seus colegas de turma. Um típico filhinho de papai. Na verdade ele era filho de um vereador da cidade e gostava de repetir isso sempre que podia Ana não tinha múita paciência para os seus discursos de direita e quase sempre carregados de machismo. Era o tipo de pessoa que ela preferia evitar.

- Oi Ana. Você quer uma carona? - Ele falou, com um sorriso solícito na cara.

- Ah. Não. Está tudo bem. Meu ônibus já vai passar.

- Mas já é quase meia noite.

- Está tudo bem André.

- Não está. É muito tarde pra você ficar ai sozinha. Eu deixo você no terminal de integração, pelo menos lá você vai estar mais segura.

Ana olhou para os lados e viu que realmente não havia muita opção, e ficar ali não parecia uma boa idéia também.

Ela entrou no carro pela porta do passageiro, colocou o cinto de segurança e ficou calada, sem saber o que dizer.

André subiu os vidros do carro e deu partida.

Estar sozinha com ele naquelas circunstâncias era inquietante para Ana. Sentiu na pele toda a vulnerabilidade daquela situação. Não era fácil ser mulher.

Ele parecia despreocupado, apenas dirigia e de vez quando mexia no aparelho de som para trocar de músicas, o que deixava Ana ainda mais inquieta.

O terminal de integração já estava próximo quando André guiou o carro por uma rua completamente sem iluminação e sem calçamento. Foi quando Ana percebeu que havia uma pessoa parada na esquina.

André tentou acelerar o carro, mas o homem se aproximou rápido e apontou um revólver para o para brisa do carro e correu até a janela.

André não reagiu e acreditando ser apenas um assalto e baixou os vidros automáticamente.

- Menina, Pula pro banco de trás.

Com o revólver apontado para sua cabeça, seguiu as ordens da maneira mais ágil que pôde.

O ladrão sentou-se no banco do passageiro e apontou a arma para a cabeça de André.

- Agora dirige, Playboy. - Gritou, com uma voz de quem provavelmente estava alterado por alguma droga, além de álcool.

André começou a dirigir, visivelmente ansioso.

- Joga o celular e a carteira aqui pra frente, menina. - Continuou.

Ana abriu a bolsa, retirou o que ele havia pedido e jogou para o banco da frente.

- Eu gosto assim... Uma putinha obediente. E você playboy. Pega a próxima rua e vai até o fim.

Ana tinha uma noção de onde estava, e concluiu que ele estava os levando para um matagal numa região relativamente desabitada... o que definitivamente não era algo bom.

Quando chegaram à um local que parecia o começo de um canavial cercado por uma mata e estradas de terra.

- DESCE DO CARRO, PLAYBA. Deixa a chave na ignição, e desce com a mão na cabeça, que eu tenho tanto nojo da tua raça que falta pouquinho pra eu te dar um tiro.

André desceu e caiu de joelhos do lado de fora.

- Agora tu, menina. Vai saindo que eu também quero ter uma conversinha com você antes de ir embora.

Ana teve certeza de que o pior ia acontecer, mas tentou manter o máximo de calma que podia.

Abriu a porta de trás do carro e desceu, com as mãos na cabeça, mas ao mesmo tempo não tirou os olhos do ladrão.

Ele abriu a porta e se preparou para descer, mas quando ia saindo, tropeçou no cinto de segurança e caiu no chão. O revólver também caiu de sua mão, e Ana pulou em cima da arma no mesmo momento, tentando salvar a própria vida, que achava que já estava perdida.

Se reerguendo, Ana apontou o revolver para o ladrão que tentou recuperá-la com um bote. Sem alternativa, e levada pela tensão do momento, Ana puxou o gatilho duas vezes e observou o bandido caindo no chão.

André deu um grito assustado, mas não se moveu.

O ladrão ficou no chão estirado e Ana teve a impressão de ter visto sangue escorrendo e se misturando ao barro do chão.

- André, vem cá! - Disse Ana, com a voz tremida. - Está tudo bem.

Ele se levantou e olhou por cima do capô do carro tentando avaliar a situação.

- Ele está... morto? - André perguntou gaguejando.

- Acho que sim. Espero que sim

- Meu Deus. Eu não posso me meter numa dessas. Pode atrapalhar meu pai nas eleições.

- Idiota! Foi em legítima defesa.

- Mas... Sei lá... Nunca se sabe.

André foi andando de costas e fez menção de entrar no carro pela porta do motorista.

Foi então que Ana percebeu que ele pretendia deixá-la ali e ir embora.

Tomada por uma emoção que nunca tinha sentido na vida, Ana foi até o lado de André e disse.

- Você não vai me deixar sozinha aqui, não é?

- Me desculpa Ana. Não posso me meter com isso. Liga pra a polícia que eles vem te buscar.

Ana levantou a arma e apontou para André.

- VOCÊ NÃO VAI ME DEIXAR AQUI, SEU FILHO DA PUTA COVARDE. SE NÃO FOSSE POR MIM VOCÊ ESTARIA MORTO.

André não pareceu assustado, mesmo com uma arma apontada para si, e simplesmente respondeu.

- Você não teria coragem de atirar em mim, Ana. - E então deu um sorriso cínico e abriu a porta do carro.

Ana, tomada de raiva, deu um tiro ná direção de um dos pés de André. apenas para assustá-lo.

Ele caiu sentado e gritou apavorado

- Você quer me matar, sua puta?

- Matar não, mas um tiro na sua perna eu vou dar, se você me chamar de puta outra vez. agora, seja homem. pegue o celular e ligue para a polícia. Ainda tem algumas balas aqui se você quiser testar minha paciência.

André se levantou, pegou o celular e ligou para a polícia.

Em meia hora, uma viatura chegou para resgatá-los, junto com uma ambulância.

Ana entregou a arma à um policial e quando a equipe de peritos chegou, todos foram levados até uma delegacia onde prestaram depoimento.

O pai de André fez o possível para que a história fosse abafada e não saisse nos jornais.

No fim da noite, todos foram liberados e ficou claro que Ana não responderia processo, afinal ela agira para preservar a própria vida.

Ela voltou para casa com sua mãe e seu irmão, que a tinham vindo buscar assim que souberam do ocorrido.

Em casa, Ana dispensou os cuidados dos parentes e pediu apenas para tomar um banho e para que a deixassem sozinha.

Deitou-se pensando em tudo o que tinha ocorrido. Pensou no momento em que apertou o gatilho pela primeira vez. Pensou no barulho do corpo caindo no chão, e no segundo tiro, que dera por puro impulso.

Tudo aquilo lhe revirava o estômago, mesmo que dentro de si, ela tivesse bem claro que não tivera outra opção, a não ser aquela.

Fechou os olhos e adormeceu, esperando nunca mais ter que tomar uma arma em suas mãos

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 01/03/2018
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