O CIRCOLÁGRIMAS TRANSFORMADAS EM ALEGRIAS



Nos arredores da cidade de Caxias, Estado do Maranhão, instalava-se um pequeno circo na localidade de “Pai Geraldo”, precisamente no mês de março de 1989. E numa manhã chuvosa, o caminhão de frete descarregava os baús e todo o material da armação. Um jovial de apenas quatorze anos, chamado Ricardo, apressava-se de um lado para o outro, ajustando o microfone ligado na fonte de uma bateria, e com entusiasmo falava aos transeuntes.

-Atenção! Atenção! Chegou o Internacional Circus de Crateús. Avisamos que estamos contratando pessoas para montangem do circo, compareçam e procure por Ricardo.

O rapaz recomeçava as chamadas de hora em hora,  vários homens e mulheres se aproximavam, dando-lhe o nome para iniciar os trabalhos de montagem que em dois dias de  serviço o circo  já estava montado, lá no alto do mastro as duas bandeirinhas coloridas balançavam ao lado do alto-falante velho.

O elenco era composto de uma única família de sete artistas, tendo à frente o proprietário senhor Dantas, malabarista e Palhaço Periquito, os filhos: Ricardo, acrobata de solo, cordas e aéreo; Anderson de doze anos, com capoeira e biker; Dona Tereza, esposa de Dantas, fazia dança e saltos, além de assistente do mágico; Ellen, a filha caçula de apenas seis anos com balé aéreo; Rubens com vinte anos, era o “Mágico das Flores” enfeitando às noites e vesperais com truques; Armando de vinte e um anos, humorista com o pai, além de andar na bola e perna-de-pau. Assim, era a vida circense com apresentação bem-humorada, garantindo a todos a alegria em gerações com aplausos na arte popular nascida há pelo menos cinco mil anos.

Pela manhã, Ricardo faz um rápido anúncio convidando rapazes para prestarem serviços eventuais de vigilantes e moças para o serviço de bilheteria, momento em que a entrada do circo já se encontrava repleta de pessoas daquele bairro, única oferta de trabalho naquela ocasião, e Ricardo atende os interessados.

-Por favor! Mantenham calma! Nós só precisamos de dois seguranças e uma atendente.

Um adolescente musculoso atendendo pelo nome de Mundico e Jonas com porte atlético foram escolhidos, além da menina Bárbara. Instantes,  Mundico indaga:

-Hei rapaz! O que é mesmo pra fazer? Eu nunca trabalhei em circo, e quanto estão pagando?

-Estamos recrutando dois rapazes para fazer varredura à noite ao redor do circo na hora dos espetáculos, evitando que intrusos penetrem sem pagar e o nosso pagamento é diário após o espetáculo.

-Se for assim, já estou pronto! Disse Mundico sorrindo.

Naquela tarde, a família se reúne para fazer um comercial pelas ruas dos bairros, a bicicleta era utilizada como porta voz dos comerciais, levando um boneco perna-de-pau, palhaço, bailarina e demais artistas. A voz do garoto impressionava e chamava à atenção de todos nas ruas, becos e avenidas dos bairros: Nova Caxias, Mutirão, Refinaria e João Viana.

- Atenção! Chegou em Caxias o maior espetáculo do Internacional Circo de Crateús! Venham esta noite prestigiar, temos os melhores artistas da América Latina, diretamente de Crateús - Ceará.

Em cada movimento, Ricardo impregnava novo comercial e a meninada da rua acompanhava-os.

-Venham!Venham! Hoje à noite temos vôos arrepiantes com o melhor malabarista do Brasil, desafiando a lei da gravidade. Não percam! O mágico das Flores, a menina bailarina na corda bamba e o palhaço Periquito o “Rei da Criançada” com seu nariz vermelho da cor do tomate. É nesta noite, é hoje, às 19 horas, a melhor atração internacional do Maranhão. Atenção! Atenção! Hoje no Circo Internacional de Crateús, não percam! Venha até o Pai Geraldo e desfrute da alegria trazendo seus filhos.

Um menino que estava brincando com outras crianças de bolinhas de vidro, chama por sua mãe.

-Mãe! Mãe! Venha ver, é o palhaço da revista, olha o perna-de-pau!

As ruas estavam repletas de meninos e vendedores de frutas que paravam os carros de mãos, os carroceiros freavam as burras, as donas de casa abriam as janelas e aplaudiam o primeiro espetáculo de rua. O vizinho da casa ao lado comentava com Dona Carmém.

-Eita Dona Carmem! Nosso bairro tá importante já tem até circo internacional.

-É mesmo Bernardo, agora só falta o Circo Garcia. Tomara que eles ganhem dinheiro.

A noite inaugural se aproxima, meninos e meninas, jovens, homens e idosos se agrupam em frente, e a música recentemente lançada de Cazuza arrebentava com a melodia “faz parte do meu show”, e do outro lado Ricardo recebe vários recadinhos no camarim das garotas solicitando anúncio e oferecimento da melodia aos seus paqueras.

O circo já montado parecia a estrela mais radiante daquele lugarejo, e a saúde pública municipal ou melhorias com pavimentações jamais rodearam as margens daquela pobreza, muito menos o censo do IBGE, onde milhares de eleitores do bairro tinham como endereço de residência eleitoral, na vizinha cidade de Aldeias Altas, podia-se contar como o maior curral dormitório de eleitores, possivelmente, nos dias de eleição, caminhões gaiolas levando gente como bois para a outra cidade, era nas cercanias de vários bairros à margem do descrédito governamental e a inércia dos poderes constituídos de uma constituição ainda a vigorar no país.

Os vendedores de laranjas, cafés, cigarros, bombons, bolos e sucos já se encontravam com seus tabuleiros armados à espera daquela gente humilde por trás da luz da lamparina, outros de melhores condições, emitiam luzes de candeeiros, resultando numa candeeirada sem fronteiras naquele bairro esquecido e sem energia elétrica.

O motor gerador do circo pipocava numa barulheira sem fim, luzes advindas do circo atravessavam a lona que parecia um céu estrelado com milhares de buracos e remendos, porém, a música de Cazuza se podia ouvir à distância. Os meninos com suas bicicletas iluminadas com faroletes pareciam vaga-lumes ou até mesmo motocicletas perdidas naquela escuridão.

Em poucos instantes, atravessa a rua a bela jovem Marilda de 15 anos com sua melhor roupa, o melhor perfume ‘Tabu”, calçada numa sandália japonesa colorida, instantes em que rever sua amiga Rafaela.

-Hei bicha! Vai pra onde? Tu viu o Carlinho?

- Oi! Eu vim dá uma olhadinha no circo, o tal de Carlinho tá lá no beco da Refinaria acochando a Patrícia.

Insatisfeita com a resposta, Marilda diz.

-Eu vou é botar um par de cifre nele já, já.

-Sabe amiga! Eu vinha dali, e pensei que fosse uma árvore de natal. Pois, a lona deste circo é cheia de buracos e tudo fica parecendo um monte de luzes. Menina! Que circo fraco! O que tem de bom é aquele galego dos olhos verdes que faz propaganda. É um gatão!

- É mesmo!

O teatro circense principia, a magia do iminente show é a porta do palhaço Periquito que arranca aplausos das crianças e adultos, gargalhadas e assobios fazem parte do show quando as cortinas avermelhadas se abrem com a voz de Ricardo.

- Senhoras e Senhores! Respeitável Público! Com vocês o maior palhaço do Estado do Ceará, vamos anunciar, o Palhaço Periquito!

O sorriso contagiante levanta a platéia com aplausos, a música de Cazuza soa baixinho. Ricardo anunciava o maior mágico e sua assistente com gestos maravilhosos, ela abria sorrisos, acenando à platéia com encanto e alegria. A varinha do mágico Rubens triunfava entre as falhas das luzes do gerador, tocando na assistente, abria-lhes um buquê de flores,  novamente, a voz por trás da cortina, anunciava a transformação de um pombo num papagaio, fazendo murmurar a platéia debaixo da lona que fazia muito calor.

Lá fora, as meninadas corriam de um lado para o outro procurando melhor ângulo entre os buracos da lona, os vigilantes não davam conta da quantidade de meninos travessos
durante o espetáculo.

Chegava a segunda noite do maior evento no bairro “Pai Geraldo”, a arquibancada estava lotada, agitavam, todos queriam ver o maior mágico, um jovem articulado e espontâneo, a perfeição dos acrobatas na seqüência de movimentos, variações e saltos no ar lançavam imagens nas pupilas da platéia com cala-frio na barriga, os malabaristas e dançarinos com força e talento na busca do prazer e contentamento. Assim era o circo Internacional Circus de Crateús, onde crianças e adultos realizavam o mundo da fantasia.

Enquanto a celebração do sorriso voava entre as lonas, dois rapazes tentaram sem sucesso pular a cerca de arame farpado, momento em que os seguranças alertam sobre a invasão.

- Eu não quero vocês dois pulando outra vez, se quiserem assistir, paguem!

Um dos rapazes ameaça o segurança, afirmando:

-Ó Cara! Tu vai me pagar, tu vai vê o que vai acontecer hoje, me aguarde!

Com tais palavras ameaçadoras, o segurança nem deu bola, dando continuidade no serviço cujo espetáculo estava com a casa lotada.

Na madrugada, por volta das duas horas, Ricardo vai ao quarto de seus pais.

- Pai! Que maravilha de show! Casa lotada e muito dinheiro na bilheteria. Veja só! Havia pessoas de Codó, Coelho Neto, Gonçalves Dias, foi uma festança. E aí velho! Agora vai dá pra comprar uma lona nova e depois compramos uma Brasília para fazer propaganda.

-Foi muito boa a noite. Se Deus quiser! Vou comprar a lona e o carro. Agora vá dormir filho!

Já passavam das três e meia da madrugada, a escuridão se perpetuava no bairro Pai Geraldo, enquanto os artistas dormiam satisfeitos. Um ventania reinava sobre o local, e o vento assobiava mostrando a sua força, instantes em que a parte da frente do circo soltava línguas de fogo na empanada, as chamas ardentes desenvolviam simultaneamente calor e luz, momento em que Ricardo viu o clarão, dando alarme.

- Pai! Mãe!, Rubens! Anderson, o circo tá pegando fogo!

Inesperadamente, todos saem correndo, as labaredas avançam rapidamente sobre a lona, sem sucesso não conseguem apagar as chamas que devastam tudo pela frente, queimando as arquibancadas, brasas e fumaças dominam, gritos, gemidos e lágrimas se espalham. Ricardo atravessa o fogo com baldes de água na ventura de salvar o dinheiro dos dois de dias de espetáculos, e seus pais imploram.

- Saia daí Ricardo pelo amor de Deus!

- Não entre mais!

Um lavrador que ia passando a caminho da roça, observa a luta do pequeno acrobata Ricardo, investindo contra as gigantescas labaredas, na esperança de salvar o único sustento da família, suas energias se esgotam e não consegue sair. O lavrador por um gesto piedoso atravessa algumas labaredas e trás nos braços o jovem Ricardo desmaiado com ferimentos nos braços e pernas. A pequena dançaria Ellen, soluçava sem cessar abraçada com a mãe, enquanto vizinhos socorrem o ferido. O palhaço Periquito lastimava-se.

- Perdi o meu circo! O que será de mim meu Deus! Que malvadeza! Porque fizeram isso comigo. A minha vida é o circo, eu vivo do circo!

As lágrimas se espalhavam nos rostos, gritarias e gemidos eram constantes, até pessoas estranham choravam, outros com baldes e latas corriam na esperança de amenizar parte do circo, porém, a ventania soprava nos escombros das arquibancadas em brasas. O bairro Pai Geraldo era um inferno em chamas, mais de trezentas pessoas labutavam com o fogo, feito verdadeiros bombeiros. Assim, sem o circo e sem o dinheiro da bilheteria, as vidas dos artistas estavam perdidas no infortúnio com lamentações que voavam no céu claro pelas chamas.

-Tô acabado! Não tenho mais nada! Porque fizeram isso comigo!

Soluçava o palhaço Periquito com as mãos na cabeça andando de um lado para o outro. Enquanto pessoas oriundas de outros bairros chegavam em caminhões e carros particulares com tambores de água e alimentos numa cena tão traiçoeira e comovente que se possa imaginar naquela madrugada. Dona Maria, uma senhora que vendia verdura no mercado central comenta com um senhor que estava sentado e com ar de muita tristeza.

-Vejam só! O que estes trombadinhas são capazes de fazer! Isso é final do mundo. Cadê a Polícia? Cadê as autoridades da cidade? Onde estão? Tudo isso é porque são pobres. Se fosse rico, os macacos estavam correndo atrás deles. Olha moço! Eu venho do Alto da Cruz, há mais de quatro quilômetros e vi este clarão. Dá pena agente vê um negócio desses! Isso é safadeza, isso é arte de filhos que não obedecem aos pais.

-É verdade. Essa juventude só pensa em ser dono da liberdade sem responsabilidade. Se eu pudesse senhora! Eu trabalharia pra ajudar eles, mais eu sou desempregado, mais assim mesmo vou ajudar no que eu puder. Este povo é que faz alegria das crianças e adultos, vivem disso.

No dia seguinte, Ricardo ainda procura nas cinzas o que sobrou do dinheiro, e nada o encontra, apenas tristezas que invadem os olhos com o vento levantando as cinzas que restaram.

Um avião sobrevoava a cidade de Caxias marcada por larga fumaça. O empresário pergunta ao co-piloto.

-Reinaldo, que desgraceira foi aquela! Dá mais uma volta mais baixa.

- Doutor Claudino, tem muita gente parece que foi incêndio em larga proporção.

-Nossa! Que pena! Ao chegar na loja vou olhar esta situação.

Naquela tarde lagrimosa, o empresário paraibano João Claudino Fernandes, dono da  rede de eletrodomésticos do Nordeste e maior rede de varejo do Brasil – ARMAZÉM PARAÍBA – “ Sucesso Em Qualquer Lugar”, além de outras empresas, preocupado em saber as dimensões do ocorrido naquela adjacência foi ao encontro do Internacional Circus de Crateús.

Conversou com o proprietário do circo, Sr. Dantas, afirmando:

-Caro amigo! Não leve a tristeza no coração, hoje, lhe vejo assim com os olhos pequenos. Lembras? Que você já fez todo o Brasil sorrir? Lembras? Que um dia na cidade de Cajazeiras na Paraíba, fizestes muitas crianças pular de alegria na arte colorir as nossas faces. E hoje eu não quero vê-lo chorar. Sabe! vou descrever um pouco da minha história ocorrida 1958,  que  fugir da seca que assolava a Paraíba  e vim para o Maranhão, com poucos recursos  montei com meu irmão a nossa primeira lojinha na cidade de Bacabal. Naquela época, passamos por sérias dificuldades, porém, estas dificuldades eram os nossos compromissos com o povo e o sucesso daquela loja, e por amar a minha terra natal, nós homenageamos com o nome de Armazém Paraíba. Assim é o Armamzém Paraíba amigo dos amigos de ontem, hoje e amanhã, fazendo sempre sucesso em qualquer lugar.

O grande e emérito empresário abraçou o palhaço Periquito e seus familiares e partiu, sem dar qualquer promessa aos artistas.

Ao chegar em sua loja no centro de Caxias, o grande paraibano fervoroso, amante e promovente da cultura nordestina, determinou ao gerente local da Loja Armazém Paraíba que hospedasse todos os artistas no melhor hotel de Caxias – o conhecido Excelsior Hotel localizado no centro da cidade, próximo à Praça Gonçalves Dias, bem como ordenou a compra de um circo novo e completo aos grandes artistas circenses, além de um caminhão para transportes doado pela empresa.

O Circo Internacional de Crateús ficou pronto em apenas quinze dias, oportunidade em que presenteia no bairro Pai Geraldo com duas semanas gratuitas de espetáculos, produzindo emoções a todo vapor, fazendo um giro por toda a cidade, levando como símbolo na lona as cores amarela, preta e vermelhas, formadores da maior loja de varejo do Brasil – ARMAZÉM PARAÍBA – SUCESSO EM QUALQUER LUGAR.

Reunidos no camarim após o espetáculo, Ricardo comenta com o pai.

- Pai! Ainda existem pessoas boas e determinadas como o dono do Armazém Paraíba que veio do céu para nos ajudar, sobrevoando a cidade viu o nosso circo em cinzas.

- Filho! Não há um mal que não traga um bem. Se o mundo quisesse viver de gratidão, não haveria tantos famintos pela paz.

E assim, partiu o Internacional Circus de Crateús, levando a bandeira do Armazém Paraíba como membro de uma eterna comunhão de amor e paz entre os homens, gerando alegrias e alegrias, amor em cada face como a abertura de uma rosa, estando atualmente o grande circo em Las Vegas.


  Escrito em setembro de 1989

  
http://www.armazemparaiba.com.br/

ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 27/08/2007
Reeditado em 29/11/2012
Código do texto: T626743
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