Há coisas mais importantes do que refletir sobre uma pedra ou o que pensam as pessoas em relação aos personagens dos livros que leem? É provável que uns torçam para que Ramayana morra, outros que ela se case com Leonardo e viva feliz para sempre. Machado sugere que se comesse uma peça pelo fim. Entre logo no ápice, atinja a culminância nos primeiros momentos. Seduzir o leitor, contar tudo no primeiro ato, e dali em diante, desfiar os pormenores da trama, até chegar aos fatos que desencadearam o que já fora dito antes. Talvez por isso, Jeremias ou quem quer que seja que escreveu “Percalina verde-drummond”, reduziu de 24 para 12 os volumes a coleção encadernada em percalina verde, para depois apresentar mais seis volumes e depois mais seis, abrindo a torneira aos poucos e fechando na hora certa, para que Osíris pudesse arrepender-se de tomar para si como mulher, a própria irmã, e Isis deixasse Leonardo viver seu idílio com Ramayana.
O mundo tem pressa de chegar. Não se sabe aonde. Ninguém para diante de uma formiga que arrasta uma carga sete vezes mais pesada do que ela. Nem cuida de um pardal que caiu do ninho.
— Sejamos, concisos em tudo que dissermos, porque já o somos naquilo que fazemos — Concluiu Robert— e antes que a Dama do Metrô reabrisse uma polêmica sobre assunto já encerrado, e voltasse a afagá-lo com piparotes; ele acomodou-se na cadeira e com as mãos metidas em luvas de seda sentenciou: Há muita patacoada cômica e célula-dramática em teu ensaio; digo: conto, ou melhor, romance. É necessário retirar as garças negras penduradas como morcegos no travessão de João Cabral. E outros pensamentos alheios que utilizamos para explicar, confundir ou ganhar tempo. Robert se referia às aspas, imagem buscada em morcegos grudados nas palavras como brincos em orelha de madama. Neste ponto, estavam de comum acordo. Ravenala também queria usar outros recursos, como realçar em itálico, ou dizer o nome do autor, sem dizer. Não entraria em guerra naqueles matos com Gregório. Ela engoliu a seco muitas aspas e caspas que a vida lhe ofereceu. Não precisava voltar ao primeiro século antes de Cristo para encontrar Lucrécio ajoelhado aos pés de Mecenas. Encontraria em qualquer esquina um escritor vendendo o cérebro para comprar leite e pão. Muitos pagam pela edição de seus primeiros títulos. Raquel pagou, Queirós também, e Coralina gastou todos os seus Vinténs de Cobre. Ravenala não queria pagar para ser lida. Também nada pagaria a Robert pela pareceria e revisão dos textos, a não ser que uma editora de renome abraçasse a causa, publicando a obra e lhe recompensasse em dinheiro os justos e merecidos direitos autorais. Não cobraria nada dele, se ela resolvesse fazer uma produção independente da obra que escreviam juntos. Mas não haveria produção independente. Pagar para ser divulgada estava fora de seus propósitos.
— Ao trabalho, Robert — disse ela, depois de um intervalo de quinze minutos para o lanche.
— Por hoje chega. Amanhã, em minha casa — disse ele.
Aparentemente cansado. Mais nervoso do que cansado de lutar para transformar a brancura em negrume e a mentira em verdade. Robert não acreditava na versão que seu pai houvesse morrido, mas não podia dizer que a mãe mentia. Era preciso descobrir. E muitas vezes, teve vontade de perguntar a qualquer vivente: ‘Você é meu pai?’
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Extradído do livro "Estrela que o vento soprou."