OUTONO DA VIDA
Os olhos amanheceram enevoados.
Por mais forçasse a visão as pessoas eram meros vultos caminhando apressados rumo aos seus destinos.
Prestou atenção aos ouvidos.
O barulho dos passos das outras pessoas amassando as folhas espalhadas pelo vento insistente servia de tênue referência para que não se chocasse.
Desejou bom dia a todo vulto que passasse.
Alguns não responderam ao cumprimento. Deviam conhecê-lo. Outros repetiam monótonos “bom dia” sem saber identificar quem dera a resposta.
Ouviu ou julgou ouvir raros pássaros que apesar da névoa teimaram sair do ninho. Imaginou-os tateando pouso no banco onde era hábito saltitarem à espera de migalhas de pão lançadas ao chão nos dias límpidos e claros.
Pareceu-lhe sentir no ar um cheiro de tristeza da desesperança e o desespero das últimas flores serem despetaladas pelos ventos de outono e caírem o chão em diferentes tonalidades.
À memória vieram lembranças do colorido da praça quando isso ocorria.
Procurou pelas árvores tateando a névoa.
Tropeçou na corrente de um cão e foi amparado por seu dono.
A névoa não lhe permitiu ver exatamente quem era.
Desculpas mútuas.
Como não percebeu os cães brincando com seus donos? Eles que tanto enroscaram-se em suas pernas correndo entre os postes de iluminação.
Ouviu o toque de quarto de hora do relógio da torre da Igreja. Que horas seriam? Demoraria muito o badalar da hora cheia? Ansioso não conseguiu ver a hora no pulso. Estaria atrasado?
Arrependia-se de ter saído de casa.
Nada enxergava na claridade ofuscante da névoa.
Pensou em voltar.
A névoa era boa desculpa para não ir ao compromisso que não lembrava qual era.
Concreto era que queria encontrar alguém para saber que névoa era aquela.
Nunca acreditou que um dia haveria uma névoa matinal não lhe permitisse ver nada.
Tinha planos quando ela surgiu no seu Outono.
Planos para um dia ensolarado.
Caminhar em lazer pelo parque sonhando com as férias de Verão.
Se o dia amanhecesse gelado tomaria um chocolate quente no café da praça e imaginaria estar num hotel de montanha ao lado de uma pista de esqui aproveitando o Inverno.
Suportaria o dia chuvoso. Ficaria em casa e distrair-se-ia com filmes na TV e paciência nas cartas.
Não esperava aquele nevoeiro...
Não tinha plano B para nevoeiros.
Ao nevoeiro teme-se e a tudo que não se vê.
Não via palmo à frente do nariz e a falta de visibilidade expunha seus medos.
O medo faz fantasmas despirem seus lençóis e surgirem invisíveis...
Como num dia de outono nascera a manhã sem enxergar.
Veio tristeza e descobriu que todos têm a sua manhã enevoada.
Névoas de tantas formas.
Cada um se conforme com a forma da sua.
A vida é uma rotina descontrolada.
Corrida diária rumo a um futuro indefinido.
Sonhos primaveris e pesadelos invernais despertos pelo cantar matinal de um galo maluco que pensa poder reger o tempo.
A obrigação do envelhecer é incompreensível como um confuso parágrafo de um texto sem vírgulas a desafiar a lógica.
O Outono chega sorrateiro.
Suas névoas surgem perenes entre o Verão e o Inverno enquanto acredita-se que a Primavera trará o renascer.
Seu ciclo de estações estavam terminando.
Paralisou-se...
Tremeu em luta interior para não esquecer o que tinha por fazer.
Igual a todos temeu a névoa do Outono da vida.
Apavorante presença e duvidosa sobre o que virá quando se dissipar.
Sem solução para a névoa questionou-se o porquê da natureza ser assim.
Repetiu-se a pergunta sem resposta:
Por que nenhuma “moça do tempo” alerta sobre essa névoa que vem quando menos se espera?
Sem mais a fazer senão o arrastar-se dos dias até sobrevir a escuridão da noite fria de seu Inverno.
Entre um acordar e outro sonhar com a esperança da volta da claridade de uma manhã límpida dos tempos de sua Primavera.
Que não virá...